Já no primeiro parágrafo, a resposta objetiva: quando o INSS nega o afastamento (auxílio por incapacidade temporária), você não passa a receber o benefício e, em regra, deve se apresentar ao empregador para avaliação de retorno, sob pena de faltas e risco trabalhista. Porém, essa não é a única via: é possível recorrer administrativamente ao INSS, apresentar novo requerimento com fato novo e, se necessário, ingressar na Justiça para concessão ou restabelecimento do benefício, inclusive com pedido de tutela de urgência. Se o médico do trabalho te considera inapto e o INSS te considera apto, surge o chamado “limbo previdenciário”; nesse cenário, a jurisprudência costuma responsabilizar a empresa pelos salários até regularização. A seguir, explico passo a passo o que acontece, quais são seus direitos e os caminhos práticos para resolver.
O que significa “negação do afastamento” na prática
Negar o afastamento significa indeferir o pedido de benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença). Na prática, o perito do INSS concluiu que, com os documentos apresentados, não foi comprovada incapacidade laboral total e temporária para a sua atividade. Essa negativa pode ocorrer no primeiro requerimento, no pedido de prorrogação (quando havia um benefício em curso) ou no pedido de restabelecimento (após alta).
As situações mais comuns são:
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Indeferimento inicial: o INSS entende que você não está incapaz para o trabalho.
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Alta programada/cessação: você estava afastado, mas o INSS decidiu que já pode voltar.
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Indeferimento por ausência de nexo: quando a incapacidade existe, mas o INSS diz não haver relação com o trabalho, negando o enquadramento acidentário.
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Indeferimento por falta de prova: exames desatualizados, laudos genéricos ou inconsistentes.
Efeitos imediatos sobre o contrato de trabalho
Negado o afastamento, você volta à condição de apto perante o INSS. Isso não obriga o empregador a aceitá-lo automaticamente sem avaliação: a volta deve ser precedida de exame de retorno ao trabalho (ASO de retorno) pelo médico do trabalho, nos termos do programa de saúde ocupacional da empresa.
Cenários possíveis:
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Apto no INSS e apto no médico do trabalho: retoma as atividades, sem salários do INSS.
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Apto no INSS e inapto no médico do trabalho: limbo previdenciário. Você não recebe do INSS e também não trabalha. Em regra, os tribunais têm entendido que a empresa deve remunerar o período porque é ela quem impede o retorno por considerá-lo inapto, devendo buscar readaptação ou nova avaliação. Esse é um ponto sensível e frequentemente judicializado.
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Inapto no INSS por não comparecimento à perícia: é preciso reagendar; enquanto isso, vigora a ausência de benefício e você precisa se articular com o RH para evitar faltas.
O que fazer no dia da negativa
Assim que tomar ciência do indeferimento ou da alta:
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Informe o RH por escrito (e-mail ou protocolo) que comparecerá ao exame de retorno ao trabalho.
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Agende o ASO de retorno com o médico do trabalho da empresa.
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Organize seu dossiê médico atualizado (exames recentes, relatórios circunstanciados do médico assistente, com descrição de limitações funcionais).
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Se persistir a incapacidade, avalie com seu advogado as vias de recurso ao INSS e/ou ação judicial com pedido de tutela de urgência.
Evite permanecer em casa sem contato com o empregador: ausências injustificadas podem gerar advertências, suspensão e, em último caso, rescisão por justa causa. O registro das comunicações é sua proteção.
Recurso administrativo: quando, como e por quê
É possível recorrer administrativamente do indeferimento ao Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS). Em regra, o prazo é contado a partir da ciência da decisão. O recurso deve:
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Contestar expressamente os fundamentos do laudo pericial.
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Trazer exames atualizados e relatório detalhado do médico assistente, com CID e, sobretudo, descrição de limitações para a atividade exercida.
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Anexar documentos do vínculo e da função (descrição de cargo, tarefas típicas), para o perito compreender a exigência laboral.
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Pedir, quando necessário, nova avaliação pericial (“perícia recursal”).
O recurso administrativo tem custo zero e pode corrigir negativas por documentos incompletos. Entretanto, se a incapacidade é evidente e o tempo urge, avalia-se ir simultaneamente ao Judiciário.
Novo requerimento com fato novo e pedido de prorrogação
Se, após o indeferimento, o quadro clínico piorar ou surgirem novos exames conclusivos, você pode fazer um novo requerimento, com “fato novo”. Para quem estava em benefício e recebeu alta, existe a figura do pedido de prorrogação (antes da data de cessação) e, em alguns casos, reativação/restabelecimento quando a alta foi prematura.
Boas práticas:
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Não repita exatamente o mesmo conjunto probatório: traga elementos novos.
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Direcione o relatório do médico assistente à função exercida, explicando por que você não consegue desempenhá-la.
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Evite laudos genéricos; descreva restrições em termos objetivos (peso máximo, tempo em pé, amplitude de movimento, risco em determinados movimentos).
Ação judicial: concessão, restabelecimento e tutela de urgência
Quando a prova médica é robusta e a incapacidade impede o trabalho, é possível ajuizar ação buscando a concessão (se nunca teve) ou restabelecimento (se teve e cessou) do benefício. Pontos-chave:
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Tutela de urgência: se há probabilidade do direito e risco de dano, o juiz pode ordenar o pagamento provisório até a perícia judicial.
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Perícia judicial: é decisiva. Traga exames atuais, relatórios claros e, se for o caso, leve testemunhas para explicar as exigências da função.
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Data de início do benefício: em regra, é a data do requerimento administrativo (ou o dia seguinte à cessação indevida, no restabelecimento).
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Atrasados: pagos desde a DIB, com correção e juros, observada prescrição das parcelas muito antigas.
Doença comum x acidente de trabalho: efeitos do indeferimento
Se o indeferimento foi de benefício acidentário (B91) por ausência de nexo, mas a incapacidade existe, pode haver concessão como doença comum (B31). Essa mudança afeta direitos trabalhistas:
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B91 reconhecido: durante o afastamento, o empregador recolhe FGTS e, após o retorno, existe estabilidade de 12 meses, em regra.
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B31 reconhecido: não há estabilidade e o FGTS não é recolhido no período de afastamento.
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B91 negado e B31 concedido: você recebe, mas perde os efeitos típicos do acidentário. Em caso de doença ocupacional evidente, vale recorrer para enquadrar corretamente.
Limbo previdenciário: quando INSS e empresa divergem
O limbo previdenciário ocorre quando o INSS te considera apto (nega o benefício ou concede alta), mas o médico do trabalho te reprova no ASO de retorno, impedindo a volta. Como você não trabalha nem recebe do INSS, quem paga? A solução mais aceita é que o empregador deve remunerar, porque é ele quem não permite o retorno. Além disso, a empresa deve:
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Avaliar readapação de função, quando possível.
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Reencaminhar para reavaliação médica, se entender necessário.
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Evitar punições por faltas quando a própria empresa atesta sua inaptidão.
Se houver resistência patronal, cabe ação trabalhista para garantir salários e regularizar a situação até que o conflito médico seja resolvido.
O papel dos documentos: como montar um dossiê convincente
Uma negativa costuma vir de prova insuficiente ou mal apresentada. Monte um dossiê com:
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Relatório do médico assistente dirigido ao perito: descrevendo diagnóstico (CID), tratamento, prognóstico e, principalmente, limitações funcionais aplicadas às tarefas da sua função.
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Exames atualizados: ressonância, ultrassom, eletroneuromiografia, espirometria, audiometrias, conforme o caso.
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Documentos da função: descrição de cargo, metas, tarefas críticas, riscos, peso de cargas, posturas, repetitividade.
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Histórico clínico: evolução do quadro, tentativas de tratamento, reabilitação.
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Em caso de acidente ou doença ocupacional: CAT, PPP, LTCAT, PCMSO, ASO, laudos ambientais.
Como falar com o perito e com o médico do trabalho
Perícia não é lugar de discurso genérico. Seja objetivo:
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Descreva a função real, não apenas o cargo: “passo oito horas em pé”, “levanto caixas de 15 kg”, “faço 400 digitações por hora”.
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Explique a limitação em termos funcionais: “após 30 minutos em pé, a dor irradia”, “não consigo elevar o braço além de 90 graus”.
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Leve exames e relatórios organizados, com cronologia. A clareza ajuda o perito a te defender no papel: laudos bons viram decisões boas.
Reabilitação profissional e readaptação: alternativas ao conflito
Em alguns casos, você não consegue voltar exatamente à mesma função, mas pode exercer outra, compatível com as limitações. A reabilitação profissional do INSS ou a readaptação interna da empresa resolvem muitos impasses. Negado o benefício e constatada incapacidade apenas para a função específica (e não para todo trabalho), essas soluções práticas preservam o emprego e a remuneração, com menor litigiosidade.
Riscos trabalhistas se você “desaparecer” após a negativa
Sumir após a negativa é péssima estratégia. O empregador pode considerar faltas injustificadas e, se persistirem, aplicar justa causa por abandono. Para evitar:
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Protocole comunicações ao RH sobre sua situação clínica e disponibilidade para realizar ASO de retorno.
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Se estiver de fato incapaz, entregue atestados ao empregador e guarde protocolo.
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Se houver negativa de recebimento de atestado pelo RH, registre por e-mail e testemunhas.
Tabela prática de cenários e medidas recomendadas
Situação após negativa | O que acontece | Quem paga agora | Prazos típicos | Medida recomendada |
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Indeferimento inicial, ASO apto | Retorno ao trabalho | Empregador (salário) | Recurso: em regra contado da ciência | Voltar ao trabalho, recorrer com exames atualizados |
Indeferimento inicial, ASO inapto (limbo) | Não trabalha | Jurisprudência tende a imputar ao empregador | Recurso: prazo administrativo; ação trabalhista a qualquer tempo dentro dos prazos prescricionais | Requerer readaptação; notificar RH; se necessário, ação para salários |
Alta programada, sem melhora | Cessação do benefício | — | Pedido de prorrogação antes da cessação; restabelecimento depois | Levar novos exames e relatório; judicializar se indeferido |
B91 negado, B31 possível | Sem efeitos acidentários | INSS paga se B31 concedido | Recurso para acidentário | Recorrer para reconhecer nexo e efeitos (estabilidade/FGTS) |
Falta de documentos | Indeferimento por prova frágil | — | Novo requerimento com fato novo | Atualizar laudos e refazer pedido com dossiê robusto |
Auxílio-acidente: quando a alta é prematura, mas restam sequelas
Se suas lesões consolidaram com sequela permanente que reduz a capacidade para a função habitual, pode ser cabível o auxílio-acidente (indenizatório). Esse benefício não exige incapacidade total; exige redução permanente da capacidade. Ele pode decorrer de acidente típico, de trajeto ou doença ocupacional. Se o INSS nega o afastamento por entender que não há incapacidade total atual, mas você tem sequela relevante, avalie o auxílio-acidente como via alternativa.
Casos práticos para entender as possibilidades
Caso 1: indeferimento por laudo genérico
Ana, caixa de supermercado, teve lombalgia aguda. Levou atestado “afastamento por 30 dias”, sem descrever limitações funcionais, e exames antigos. Indeferido. Estratégia: relatório do ortopedista com restrição a cargas acima de 5 kg, limitação de flexão, RM recente e descrição da função. Recurso provido.
Caso 2: alta prematura com incapacidade parcial
Carlos, operador de máquina, teve lesão de ombro. Recebeu alta, mas não conseguia elevar o braço. O ASO de retorno o reprovou. Limbo. A empresa manteve sem salário. Ação trabalhista garantiu salários do período e, em paralelo, ação previdenciária restabeleceu o benefício até consolidação. Depois, auxílio-acidente reconhecido.
Caso 3: doença ocupacional negada como acidentária
Marina, digitadora, com síndrome do túnel do carpo. INSS concedeu B31 (comum). Recurso com PPP, PCMSO e eletroneuromiografia demonstrando relação com repetitividade. Conversão para B91. Estabilidade de 12 meses assegurada após retorno.
Checklist para reagir com segurança à negativa
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Comunique o RH e agende ASO de retorno.
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Atualize exames e obtenha relatório circunstanciado do médico assistente.
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Decida: recurso administrativo, novo requerimento com fato novo ou ação judicial (ou combinação).
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Se houver limbo, formalize pedido de readaptação e de salários.
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Mantenha registros escritos de todas as comunicações.
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Se a incapacidade é específica à função, avalie reabilitação/readaptação.
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Se houver sequela permanente, estude a viabilidade de auxílio-acidente.
Como estruturar um recurso administrativo eficaz
Estrutura sugerida:
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Identificação do processo e decisão atacada.
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Síntese fática e clínica com cronologia.
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Descrição da função e exigências físicas/cognitivas.
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Crítica técnica ao laudo pericial: onde falhou, o que ignorou.
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Provas novas: exames recentes, relatório do médico assistente.
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Pedido de nova perícia e de reforma do indeferimento.
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Requerimento final claro (concessão/restabelecimento a partir de tal data).
A linguagem deve ser simples, técnica e objetiva, sem jargões desnecessários e sem agressividade ao perito.
Como preparar o relatório do médico assistente
Peça um relatório que contenha:
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Diagnóstico (CID) e tratamentos realizados.
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Data de início e evolução do quadro.
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Limitações funcionais traduzidas para a função exercida: esforço, postura, repetição, amplitude, carga.
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Prognóstico e prazo estimado de afastamento.
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Recomendações objetivas (ex.: evitar elevação acima de 90°, evitar cargas > 5 kg, pausas a cada 50 minutos).
Esse formato “fala a língua” da perícia e melhora a aderência entre clínica e trabalho.
Cuidados com prazos e prescrição
Fique atento aos prazos administrativos para recorrer. Na via judicial, as parcelas anteriores a um certo período podem prescrever, reduzindo os atrasados. Em caso de dúvida, procure orientação jurídica para não perder prazo por poucos dias.
Impactos financeiros e planejamento pessoal
A negativa traz impacto de caixa. Planeje:
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Se puder trabalhar, retorne e mantenha renda enquanto recorre.
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Se não puder e houver limbo, busque de imediato a solução com o empregador; se necessário, ação para garantir salários.
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Se o caso comporta tutela de urgência, leve ao Judiciário com urgência, para não acumular dívidas.
Papel do advogado e quando procurar
Embora não seja obrigatório para o recurso administrativo, o apoio jurídico aumenta a qualidade da prova e a estratégia. O advogado:
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Diagnostica se o melhor caminho é recurso, novo requerimento ou ação.
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Prepara quesitos periciais e organiza a prova funcional.
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Atua no trabalhista se houver limbo.
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Confere cálculos de atrasados, DIB/DCB e eventuais reflexos trabalhistas (estabilidade, FGTS em acidentário).
Perguntas e respostas sobre negativa de afastamento
O que faço no dia em que descubro a negativa?
Comunique o RH, agende o ASO de retorno e atualize seus exames. Se não conseguir trabalhar, organize imediatamente recurso ou ação.
Posso simplesmente ficar em casa esperando o recurso?
Não é recomendável. Sem benefício e sem trabalhar, você fica sem renda e corre risco disciplinar. Mantenha diálogo formal com o empregador para evitar faltas injustificadas.
Se o médico do trabalho me considerar inapto e o INSS disser que estou apto, quem paga?
Em geral, a empresa, pois impede o retorno. Esse é o “limbo previdenciário”. Se houver recusa, cabe ação trabalhista para garantir salários.
Tenho como reverter a negativa sem processo judicial?
Sim. O recurso administrativo pode funcionar, especialmente com exames novos e relatório bem feito. Mas se a urgência for alta, considere a via judicial com tutela.
Perdi a data de prorrogação e cortaram meu benefício. E agora?
Você pode pedir restabelecimento, apresentando provas de que a incapacidade persistia. Documentos médicos próximos da data da cessação ajudam muito.
O INSS reconheceu incapacidade, mas disse que não é acidente de trabalho. O que muda?
Você recebe como doença comum (B31), sem FGTS no afastamento e sem estabilidade após retorno. Se houver nexo com o trabalho, recorra para o enquadramento acidentário (B91).
Se eu melhorar depois da negativa, posso trabalhar e desistir do recurso?
Sim. O recurso é um direito, não uma obrigação. Se melhorar, volte ao trabalho e, se quiser, desista do recurso.
Posso fazer novo pedido logo após o indeferimento?
Pode, desde que traga fato novo (exames/relatórios atualizados). Se repetir o mesmo dossiê, a chance de nova negativa é alta.
Quanto tempo leva a ação judicial?
Varia conforme a vara e a pauta de perícias. Em muitos casos, é possível pedirmos tutela de urgência para viabilizar pagamento provisório até a perícia.
Se tenho sequelas permanentes, mas não estou totalmente incapacitado, existe benefício?
Sim, avalie o auxílio-acidente, que é indenizatório e exige redução permanente da capacidade para a função habitual.
Conclusão
Quando o INSS nega o afastamento, nada está perdido nem tudo está ganho: você perde o benefício naquele momento, mas abre-se um leque de medidas para corrigir a decisão. O primeiro passo é prático e imediato: retomar o diálogo com o empregador e realizar o ASO de retorno, documentando tudo. Em paralelo, revise a prova médica, fortaleça o dossiê com exames atuais e relatórios funcionais e decida a melhor rota entre recurso administrativo, novo requerimento com fato novo e ação judicial com pedido de tutela. Se o médico do trabalho te barrar e o INSS disser que você está apto, trate de regularizar o limbo previdenciário rapidamente, pois a jurisprudência tende a proteger o trabalhador nesse cenário.
A estratégia vencedora combina técnica e organização: relatório médico que “fala a língua” da função, exames atualizados, narrativa coerente da evolução clínica e das tarefas, e comunicação formal com o RH. Com isso, você reduz o tempo sem renda, evita riscos trabalhistas e aumenta muito as chances de concessão ou restabelecimento do benefício. E, se restarem sequelas permanentes, não deixe de analisar o auxílio-acidente. O caminho existe; o que muda é a qualidade da prova e a velocidade da resposta.