Isenção de Imposto de Renda e cardiopatia grave

Quem tem direito à isenção de Imposto de Renda por cardiopatia grave é o aposentado, reformado (no caso de militares) ou pensionista que comprove, por laudo médico idôneo, a existência de doença cardíaca enquadrável como cardiopatia grave; a isenção incide exclusivamente sobre os proventos de aposentadoria, reforma e pensão, não alcançando salários de quem está na ativa nem outras rendas como aluguéis e aplicações financeiras. O reconhecimento pode gerar restituição dos últimos cinco anos em caso de tributação indevida, e a manutenção da isenção não depende de “doença ativa” quando a condição é crônica ou com sequelas persistentes.

O que significa cardiopatia grave para fins de isenção

Para fins tributários, cardiopatia grave não é qualquer doença do coração, mas sim um conjunto de condições com potencial de comprometer de modo relevante e duradouro a função cardiovascular, exigindo acompanhamento contínuo, terapias complexas e, muitas vezes, intervenções de alto custo. Entram nesse guarda-chuva situações como insuficiência cardíaca em graus moderados/avançados, cardiopatia isquêmica importante (com história de infarto, revascularização, stents múltiplos ou isquemia residual), valvopatias severas (pré ou pós-cirurgia), arritmias complexas com necessidade de CDI ou marcapasso, cardiomiopatias dilatada/hipertrófica restritivas, cardiopatias congênitas com repercussão hemodinâmica significativa e estados pós-transplante cardíaco com imunossupressão crônica. O ponto central é que a prova médica precisa demonstrar gravidade, cronicidade e repercussão funcional, e não apenas nomear o diagnóstico.

Quem pode pedir a isenção e sobre quais rendas ela incide

O direito alcança três perfis: aposentados de qualquer regime (INSS ou regimes próprios), militares reformados e pensionistas. A isenção recai apenas sobre proventos de aposentadoria, reforma e pensão. Se a pessoa segue trabalhando após se aposentar, o salário da atividade atual continua tributado. Da mesma forma, rendimentos de aluguéis, aplicações financeiras, pró-labore e honorários são tributáveis; a isenção não é “geral” sobre toda a renda do contribuinte. Para previdência complementar, a renda mensal típica de aposentadoria tende a ser tratada como provento isento quando reconhecida a cardiopatia grave; já resgates pontuais com natureza distinta em regra permanecem tributados.

Diferença entre isenção por cardiopatia grave e outras hipóteses de isenção

A isenção por doença grave é específica e não se confunde com outras isenções e deduções. Despesas médicas podem reduzir o imposto devido sobre rendas tributáveis, mas não substituem a isenção sobre proventos de aposentadoria. Rendimentos de aplicações com isenção própria (ex.: algumas LCIs/LCAs) também têm regime próprio. Se a pessoa recebe BPC, esse benefício é isento por regra assistencial; isso não depende de cardiopatia grave, e não se mistura com a isenção do imposto por doença.

Provas necessárias: o papel do laudo médico e dos exames

O documento-chave é o laudo que ateste cardiopatia grave, com identificação do médico e do serviço emissor, CID, relato clínico, exames relevantes (ecocardiograma, cateterismo, teste ergométrico, ressonância, Holter, BNP/NT-proBNP, relatórios de cirurgia ou intervenção), terapias em curso (marcapasso, CDI, anticoagulação, betabloqueadores, IECA/ARNI, diuréticos de alça), limitações funcionais (classe funcional), riscos e necessidade de seguimento permanente. Administrativamente, costuma-se exigir laudo de serviço médico oficial (SUS, junta médica do ente federado, serviço médico do órgão pagador). Em esfera judicial, a prova pericial pode suprir a exigência de laudo oficial, desde que tecnicamente robusta. Não basta dizer “doença do coração”: a narrativa médica deve mostrar gravidade e cronicidade.

Data de início da isenção e retroatividade

A isenção vale a partir do momento em que a cardiopatia grave ficou comprovada, e não apenas da data do protocolo. Se houve retenção indevida de Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria nos anos anteriores, é possível reaver os valores pagos nos últimos cinco anos (prescrição quinquenal), por retificação das declarações ou por pedido específico de restituição. Após o reconhecimento, a fonte pagadora deve cessar a retenção na fonte para os pagamentos futuros.

Como pedir: passo a passo por tipo de fonte pagadora

O procedimento prático varia conforme a origem dos proventos.

  1. INSS
    Abra requerimento específico de isenção por moléstia grave, anexe laudo e exames e, se convocado, compareça à perícia. Reconhecida a isenção, a retenção na fonte cessa e os informes de rendimentos passam a refletir a natureza isenta dos proventos.

  2. Regimes próprios (servidores)
    Protocole no setor de gestão de pessoas ou no instituto de previdência do seu ente federado. Em geral, haverá avaliação por junta médica oficial. Decisões e fluxos variam entre União, Estados e Municípios, mas a lógica documental é a mesma.

  3. Pensionistas e militares reformados
    Para pensão do INSS, o rito é idêntico ao dos aposentados. Para pensões estatutárias e reformas militares, o pedido é dirigido ao órgão pagador (SIAPE/União, institutos estaduais/municipais, forças).

  4. Previdência complementar
    Se você recebe renda mensal de aposentadoria complementar, protocole junto ao fundo/entidade a documentação médica e a prova de que se trata de provento de aposentadoria. Algumas entidades demandam parecer de junta própria.

Como declarar o IRPF após o reconhecimento

Na declaração anual, informe os proventos isentos na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”, no código correspondente a proventos de aposentadoria, reforma e pensão por moléstia grave. Identifique a fonte pagadora e os valores. Se parte do ano foi tributada e parte reconhecida como isenta, o informe de rendimentos refletirá as duas naturezas, e o programa da declaração comporta esse cenário. Guarde laudos e o ato de reconhecimento.

Cenários clínicos que usualmente demonstram cardiopatia grave

Embora cada caso dependa de avaliação técnica, são exemplos frequentes:
• Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida e sintomas em atividades habituais, com necessidade de terapias otimizadas e monitorização.
• Pós-infarto com disfunção ventricular persistente e eventos recorrentes ou revascularizações múltiplas.
• Valvopatia severa com repercussão hemodinâmica documentada (pré ou pós-cirurgia), com seguimento e restrições.
• Arritmias ventriculares complexas com indicação de CDI, síncopes e risco de morte súbita.
• Cardiomiopatias (dilatada, hipertrófica, restritiva) com limitação funcional importante.
• Transplante cardíaco e imunossupressão crônica.
• Cardiopatias congênitas com sequelas cirúrgicas e limitações persistentes.

O que não é suficiente: situações comuns de indeferimento

Alguns indeferimentos se repetem: laudos genéricos (sem descrição funcional), ausência de exames contemporâneos que comprovem gravidade, diagnósticos leves (sopro inocente, hipertensão isolada bem controlada sem dano cardíaco estrutural), doença coronariana mínima sem repercussão, arritmias benignas sem necessidade de implante, histórico remoto sem sequelas. O denominador comum é a ausência de prova da gravidade e da cronicidade com impacto clínico relevante.

Tabela prática de enquadramento e prova

| Situação clínica cardíaca | Documentos e exames que fortalecem o pedido | Indícios de gravidade relevantes | Observações |
| Insuficiência cardíaca com FE reduzida | Eco recente com FE e diâmetros, BNP/NT-proBNP, relatório do cardiologista, plano terapêutico otimizado | Classe funcional limitada, internações, necessidade de múltiplos fármacos e diuréticos, ICD/CRT | Reavaliações periódicas documentam cronicidade |
| Pós-infarto com revascularização e disfunção | Cateterismo, relatórios de stents/cirurgia, eco de controle, teste funcional | Isquemia residual, reintervenções, limitação ao esforço | A estabilidade clínica não exclui gravidade |
| Valvopatia severa (pré/pós-cirurgia) | Eco com área valvar/gradiente, relatórios cirúrgicos, anticoagulação crônica | Sintomas, reoperação, prótese mecânica/biológica | Seguimento vitalício é regra |
| Arritmias complexas com CDI | Relatório do eletricista, carteira do dispositivo, registros de terapias do CDI | Choques apropriados, síncope, restrições | Implica controle e riscos contínuos |
| Cardiomiopatia hipertrófica | Eco/RM com realce tardio, relatório de risco, história familiar | Síncope, taquicardias, gradiente significativo | Pode exigir CDI profilático |
| Transplante cardíaco | Relatórios do centro transplantador, esquema de imunossupressores, biópsias | Necessidade de imunossupressão contínua, infecções oportunistas | Gravidade reconhecida “por definição” |

Termo inicial, “contemporaneidade” e manutenção da isenção

Duas dúvidas práticas são recorrentes. A primeira é o termo inicial: a isenção vigora desde a data em que a cardiopatia grave ficou comprovada, não apenas a partir do pedido. A segunda é a noção de “contemporaneidade”: em doenças crônicas ou com sequelas, não se exige comprovar que os sintomas estejam “ativos” a cada ano; a manutenção resulta da natureza permanente da condição e do seguimento continuado, salvo casos curáveis sem sequela. Na prática, mantenha relatórios periódicos do cardiologista para consolidar a continuidade do quadro.

Como reagir a uma negativa administrativa

Se o órgão pagador indeferir o pedido, avalie o motivo: laudo considerado insuficiente, ausência de gravidade demonstrada, formalidade do serviço oficial. Corrija a lacuna (ex.: complemente exames, peça laudo mais detalhado) e apresente recurso administrativo. Persistindo o indeferimento, a via judicial permite produzir perícia independente, pedir tutela de urgência para cessar a retenção e pleitear a restituição dos últimos cinco anos. A clareza dos quesitos periciais e a robustez documental são decisivos.

Quesitos periciais que fazem diferença

Quesitos bem formulados “ensinam” o perito a olhar o que importa. Exemplos:
• Identificar o diagnóstico cardiológico, a classe funcional e a presença de limitação em atividades habituais.
• Indicar fração de ejeção, diâmetros, gradientes valvares, arritmias documentadas e necessidade de dispositivos.
• Descrever intervenções realizadas (stents, cirurgia) e o estado pós-procedimento.
• Relatar internações, descompensações, necessidade de diuréticos de alta dose, anticoagulação.
• Avaliar prognóstico e necessidade de seguimento e terapias permanentes.
• Fixar, com base nos documentos, a data de início da cardiopatia grave para fins tributários.

Estratégia documental: como montar um dossiê sem lacunas

Monte um arquivo com: documento de identificação; comprovante do benefício (carta de concessão, contracheques); laudo cardiológico detalhado com CID e linha do tempo; exames estruturais e funcionais (eco, RM, cateterismo, teste ergométrico, Holter); relatórios de cirurgia/intervenções; lista de medicamentos e dispositivos implantados; comprovantes de internações; histórico de consultas e seguimento; decisões administrativas anteriores; protocolo do pedido e respostas. Atualize periodicamente o laudo, ainda que a condição seja estável, para mostrar perenidade.

Como recuperar o imposto pago indevidamente

A restituição pode ocorrer por duas vias principais: retificar as declarações dos últimos cinco exercícios para realocar proventos como rendimentos isentos ou apresentar pedido administrativo de restituição de imposto retido na fonte. Em divergências complexas (especialmente quando a fonte pagadora não ajustou os informes), a discussão judicial sobre repetição do indébito é alternativa viável. Em todas as hipóteses, respeita-se a prescrição quinquenal.

Isenção e previdência complementar

Quando a renda mensal da previdência complementar tem natureza de provento de aposentadoria, ela tende a ser alcançada pela isenção, desde que a cardiopatia grave esteja comprovada e a renda seja efetivamente “provento de aposentadoria” (e não resgate pontual). Consulte o regulamento do plano para entender o desenho do pagamento; isso ajuda a instruir o pedido junto à entidade.

Acúmulo com outras rendas e organização da declaração

Quem tem cardiopatia grave pode, ao mesmo tempo, receber proventos isentos (aposentadoria) e rendas tributáveis (salários, aluguéis, aplicações). Na declaração, cada natureza ocupa seu espaço. Despesas médicas relevantes podem ser utilizadas para reduzir o imposto devido sobre as rendas tributáveis; mantenha recibos e notas. O 13º de proventos segue a natureza do principal para fins de isenção.

Erros comuns que atrasam ou impedem o reconhecimento

• Laudos sem CID, sem identificação do médico ou sem detalhamento funcional.
• Ausência de exames que documentem gravidade objetiva.
• Confusão entre salário da ativa e provento de aposentadoria.
• Falta de pedido formal à fonte pagadora, esperando que o sistema “reconheça sozinho”.
• Não retificar declarações antigas após o deferimento para buscar restituição.
• Quesitos periciais frágeis em ações judiciais, focados em “atividade atual da doença” em vez de gravidade e cronicidade.

Situações especiais que geram dúvida

• Aposentado com infarto antigo, com FE normal hoje: se persistem limitações, revascularizações, arritmias, necessidade de terapia intensiva e seguimento estreito, pode haver enquadramento; se não há sequelas, a prova se torna difícil.
• Válvula mecânica com anticoagulação crônica: o acompanhamento vitalício e os riscos inerentes geralmente demonstram gravidade.
• Marcapasso por bloqueio avançado: o dispositivo por si só não garante gravidade; avalia-se o contexto clínico.
• Cardiopatia congênita operada na infância: depende das sequelas residuais e do seguimento.
• Transplante cardíaco: a necessidade de imunossupressão e o seguimento permanente evidenciam cardiopatia grave de maneira inequívoca.

Checklist prático para o requerente

  1. Confirme que sua renda-alvo é provento de aposentadoria, reforma ou pensão.

  2. Reúna laudo cardiológico detalhado com CID, exames e linha do tempo.

  3. Peça, se possível, emissão por serviço médico oficial; se não houver, complemente com robustez técnica e esteja preparado para perícia.

  4. Protocole pedido na fonte pagadora correta.

  5. Guarde o protocolo e acompanhe o processo.

  6. Após o reconhecimento, verifique se cessou a retenção; se não, formalize nova solicitação.

  7. Retifique as últimas declarações para recuperar o imposto pago nos cinco anos anteriores.

  8. Em caso de indeferimento, recorra e, se necessário, ajuíze ação com quesitos bem estruturados.

Perguntas e respostas

A isenção vale para quem ainda está trabalhando na ativa
Não. A isenção por cardiopatia grave alcança proventos de aposentadoria, reforma e pensão. Salário da ativa continua tributado.

Sou pensionista e tenho cardiopatia grave. Tenho direito
Sim. A isenção se aplica aos proventos de pensão do pensionista que é portador da moléstia grave.

Preciso de laudo de serviço médico oficial
Administrativamente, em geral se exige laudo oficial. Na Justiça, a perícia judicial pode suprir essa formalidade, desde que tecnicamente robusta.

Preciso provar que a doença está “ativa” todo ano
Em condições crônicas ou com sequelas, não se exige comprovação anual de “atividade”. Relatórios periódicos que mostrem a manutenção do quadro fortalecem a continuidade da isenção.

A isenção alcança previdência complementar
Quando a renda é de natureza de provento de aposentadoria complementar (pagamento mensal), tende a ser alcançada. Resgates pontuais em regra permanecem tributados.

A partir de quando a isenção começa a valer
A partir da data em que a cardiopatia grave ficou comprovada. É possível buscar restituição dos últimos cinco anos se houve tributação indevida.

O 13º de proventos também é isento
Sim. O 13º dos proventos de aposentadoria/pensão segue a natureza do rendimento principal.

Tive infarto, mas estou estável. Tenho direito automaticamente
Não há direito automático. É preciso demonstrar gravidade, sequelas e necessidade de acompanhamento que caracterizem cardiopatia grave.

Tenho marcapasso. Isso basta
Depende. O dispositivo não é, por si, determinante. O conjunto clínico e funcional é que define a gravidade.

Como recuperar o que paguei indevidamente
Retifique as declarações dos últimos cinco anos realocando os proventos como isentos e, se necessário, apresente pedido de restituição. Persistindo divergência, ajuíze ação de repetição do indébito.

Posso perder a isenção se eu melhorar
Se houver cura com desaparecimento dos elementos que sustentavam a gravidade, a isenção pode ser revista. Em cardiopatias crônicas, a regra é a manutenção com base no seguimento.

Tenho duas aposentadorias. A isenção vale para ambas
Aplica-se a proventos de aposentadoria, reforma e pensão. Se ambas as rendas são proventos e você comprova cardiopatia grave, a isenção pode alcançar as duas, conforme o caso.

Sou estrangeiro residente e aposentado no Brasil. Posso ter isenção
Sendo residente fiscal no Brasil e recebendo proventos de aposentadoria aqui, pode pleitear a isenção, desde que comprove cardiopatia grave.

A fonte pagadora continuou retendo mesmo após a decisão
Peticione formalmente, protocole na ouvidoria e no setor de folha. Se persistir, ajuíze ação com pedido de tutela para cessar retenções e reaver valores.

Quais exames mais ajudam a comprovar gravidade
Ecodopplercardiograma com FE e valvas, cateterismo/relatórios de revascularização, ressonância cardíaca, Holter, exames laboratoriais (BNP/NT-proBNP), além de relatórios clínicos que descrevam limitações e terapias.

Conclusão

A isenção de Imposto de Renda por cardiopatia grave é um direito específico, voltado a desonerar os proventos de aposentadoria, reforma e pensão de quem convive com uma condição cardíaca de alto impacto clínico, econômico e social. Para concretizá-lo, três pilares precisam estar firmes: a natureza da renda (provento, e não salário), a prova técnica da cardiopatia como “grave” (laudo detalhado, exames e linha do tempo) e o procedimento correto perante a fonte pagadora (com protocolo, acompanhamento e, se necessário, recurso e judicialização). O termo inicial acompanha a comprovação do quadro, com possibilidade de restituição dos últimos cinco anos quando houve retenção indevida; a manutenção da isenção não depende de “sintomas ativos” quando se trata de doença crônica com seguimento contínuo. Ao estruturar um dossiê completo, formular quesitos objetivos e manter a documentação atualizada, o contribuinte transforma um tema técnico em resultado prático: cessação da tributação indevida, recuperação do que foi cobrado no passado e, sobretudo, mais fôlego financeiro para cuidar da saúde e viver com dignidade.

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