Diabete crônica dá direito ao BPC LOAS?

A pessoa com diabetes crônica pode ter direito ao BPC/LOAS, desde que cumpra dois requisitos: (1) situação de baixa renda familiar (em regra, renda per capita de até ¼ do salário-mínimo, com possibilidade de flexibilização em casos concretos) e (2) caracterização de “pessoa com deficiência”, isto é, existência de impedimento de longo prazo (efeitos por pelo menos dois anos) que, em interação com barreiras, dificulte ou impeça a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições. O simples diagnóstico de diabetes, por si só, não garante o benefício; é necessário comprovar como a condição gera limitações funcionais duradouras e o contexto de vulnerabilidade social. Já o idoso com 65 anos ou mais pode acessar o BPC na modalidade “idoso”, independentemente de deficiência, desde que atenda ao critério socioeconômico.

O que é o BPC/LOAS e quando a diabetes dá direito

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), garante um salário-mínimo mensal a duas populações: (a) idosos com 65 anos ou mais e (b) pessoas com deficiência de qualquer idade que não possam prover a própria manutenção nem tê-la provida por sua família. Diferentemente de benefícios previdenciários, o BPC não exige contribuições anteriores ao INSS, não paga 13º salário e não gera pensão por morte. A condição de deficiência, para fins do BPC, abrange impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais de longo prazo que, combinados com barreiras ambientais e sociais, reduzam a participação plena. Assim, a diabetes crônica enseja o benefício quando as suas complicações e limitações funcionais configuram esse impedimento e os critérios de renda são atendidos.

Base legal essencial e conceitos-chave

Quatro pilares orientam a análise: (1) a própria LOAS, que define o BPC e seus destinatários; (2) o conceito de impedimento de longo prazo, consolidado na legislação e nas normas administrativas, com duração mínima de dois anos; (3) a exigência de renda familiar mensal per capita igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo (critério legal), sem prejuízo de avaliação social do contexto de miserabilidade; e (4) a avaliação médica e social pelo INSS, que verifica a funcionalidade e as barreiras. A legislação mais recente também aperfeiçoou procedimentos, reforçando a necessidade de avaliação pericial e social e disponibilizando o Auxílio-Inclusão para incentivar a inserção no mercado formal a quem já recebeu BPC como pessoa com deficiência.

Critério socioeconômico: renda, CadÚnico e flexibilizações

A regra geral é renda familiar per capita de até ¼ do salário-mínimo. O governo federal orienta que todos os membros do grupo familiar tenham CPF e que o núcleo esteja inscrito e com dados atualizados no Cadastro Único (CadÚnico), condição obrigatória inclusive antes do pedido ao INSS. Embora a lei fixe o ¼ como parâmetro, a jurisprudência reconhece que esse limite não é absoluto e pode ser relativizado diante de provas robustas da vulnerabilidade, considerando, por exemplo, despesas inevitáveis com saúde, medicamentos e transporte para tratamento. Normas administrativas permitem considerar gastos frequentes e não fornecidos pelo SUS (medicação, fraldas, alimentação especial) como deduções padronizadas, agilizando a análise de renda.

Deficiência no BPC: como a diabetes é avaliada

No BPC, “deficiência” não é sinônimo de diagnóstico médico; é um conceito biopsicossocial: a condição de saúde deve produzir limitações objetivas e duradouras (≥2 anos) que, em interação com barreiras (arquitetônicas, econômicas, tecnológicas, de transporte, escolarização), impeçam a participação plena. Na diabetes, isso pode decorrer, por exemplo, de retinopatia avançada (com perda visual relevante), neuropatias com déficits motores e sensoriais, sequelas de pé diabético (úlceras recorrentes, amputações), nefropatia com necessidade de diálise, hipoglicemias graves e imprevisíveis, entre outras complicações que, mesmo com tratamento, impõem restrições ao autocuidado e ao trabalho.

Entendimento administrativo e judicial aplicado à diabetes

Casos concretos demonstram a concessão do BPC a pessoas com diabetes quando comprovadas a vulnerabilidade econômica e a existência de impedimento de longo prazo com impacto funcional. Decisões de tribunais federais têm reconhecido o direito a portadores de diabetes mellitus (inclusive insulino-dependente) quando as perícias atestam limitações graves e o contexto social confirma barreiras significativas à participação e ao trabalho. Esses precedentes reforçam que não há “lista fechada”: o foco está na prova técnica da funcionalidade e do contexto de vida, não no rótulo do diagnóstico.

Avaliação médica e social no INSS: o que acontece na prática

A análise do BPC para pessoa com deficiência é bifásica. Primeiro, perícia médica previdenciária verifica se há impedimento de longo prazo e descreve as limitações; depois, avaliação social conduzida por assistente social identifica barreiras e o contexto de vida (moradia, acessibilidade, rede de apoio, gastos de saúde, estudo/ trabalho). Quando o requerente não consegue se deslocar, as avaliações podem ocorrer em domicílio ou na instituição em que esteja internado ou acolhido.

CadÚnico, composição familiar e atualização cadastral

O núcleo familiar, para fins do BPC, inclui o requerente, cônjuge/companheiro, pais (ou madrasta/padrasto na ausência de um deles), irmãos solteiros, filhos e enteados solteiros e menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. Todas essas pessoas devem ter CPF e estar no CadÚnico, que precisa estar atualizado (em regra, atualização a cada dois anos ou sempre que houver alteração relevante). A ausência de cadastro ou o desatualizado pode atrasar ou impedir a concessão.

Cálculo de renda, despesas dedutíveis e provas de vulnerabilidade

A renda per capita resulta da soma de rendimentos computáveis dos membros da família, dividida pelo número de integrantes considerados pela LOAS. Não entram na conta, por exemplo, programas de transferência de renda como Bolsa Família. A política assistencial admite, ainda, padronização de deduções mensais referentes a despesas de saúde recorrentes não cobertas pelo SUS (medicamentos, fraldas, alimentação especial), com valores de referência atualizados pelo INPC.

Documentos e laudos que fortalecem o pedido

Na diabetes crônica, os laudos devem descrever os reflexos da condição na vida diária e laboral. Relatórios de endocrinologistas, oftalmologistas e nefrologistas são essenciais, além de exames como hemoglobina glicada, retinografia, eletroneuromiografia e relatórios de hemodiálise. Também são úteis documentos sobre gastos mensais recorrentes, como transporte, alimentação especial e insumos médicos.

Como solicitar: passo a passo administrativo

  1. Procure o CRAS da sua cidade para orientação e conferência do CadÚnico.

  2. Reúna laudos e relatórios médicos atualizados e focados na funcionalidade, além de comprovantes de despesas de saúde recorrentes.

  3. Faça o requerimento pelo Meu INSS (site/ app) ou pelo 135, selecionando Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência (BPC).

  4. Aguarde agendamento das avaliações médica e social.

  5. Após a decisão, acompanhe pelo Meu INSS. Em caso de indeferimento, cabe recurso administrativo em até 30 dias e, persistindo a negativa, ação judicial.

Casos em que a diabetes costuma caracterizar impedimento de longo prazo

A maior probabilidade de reconhecimento ocorre em casos de complicações graves, como retinopatia com perda visual, neuropatia periférica dolorosa, pé diabético com úlceras ou amputações, nefropatia com necessidade de diálise e hipoglicemias graves e recorrentes.

Cenários clínicos e probabilidade de reconhecimento (tabela prática)

Cenário clínico de diabetes Evidências úteis Barreiras funcionais típicas Probabilidade de reconhecimento Observações
DM1 com hipoglicemias graves Relatórios médicos, registros de emergências Risco em atividades sem supervisão Média a Alta Demonstre frequência e gravidade
Retinopatia com perda visual Retinografia, acuidade visual Dificuldades de leitura e locomoção Alta Cegueira legal costuma ser reconhecida
Neuropatia periférica dolorosa Exames de sensibilidade Quedas, marcha instável Média a Alta Mostre impacto na vida diária
Pé diabético e amputação Relatórios de curativos e cirurgia Locomoção prejudicada Alta Casos graves geralmente reconhecidos
Nefropatia em hemodiálise Relatórios de diálise Fadiga intensa, rotina rígida Alta Dificilmente compatível com trabalho
DM2 controlada sem complicações Hemoglobina glicada estável Poucas limitações Baixa Geralmente não caracteriza deficiência

BPC do idoso com diabetes: distinções importantes

Se o requerente tem 65 anos ou mais, o acesso é pelo BPC “idoso”, que não exige prova de deficiência. Nesse caso, a diabetes pode apenas reforçar a vulnerabilidade social, mas o critério determinante é a renda per capita.

Acumulações e vedações: o que pode e o que não pode

O BPC não pode ser acumulado com aposentadoria ou pensão, salvo exceções específicas. O valor do benefício é sempre de um salário-mínimo, sem 13º e sem direito a pensão por morte.

Auxílio-Inclusão: alternativa para quem ingressa no emprego formal

Quem recebeu BPC como pessoa com deficiência e ingressa no mercado formal pode ter direito ao Auxílio-Inclusão, benefício mensal que ajuda na transição para o trabalho, sem a manutenção simultânea do BPC.

Como lidar com indeferimentos: recursos e ação judicial

Negativas administrativas são comuns quando a análise não considera o impacto funcional da diabetes ou desconsidera despesas médicas no cálculo da renda. Nessas situações, é possível apresentar recurso administrativo ou ingressar com ação judicial, apresentando provas médicas e sociais consistentes.

Exemplos práticos

Exemplo 1: Mulher de 42 anos, DM1, episódios de hipoglicemia graves, uso de bomba de insulina e monitorização contínua. Comprovada vulnerabilidade econômica, conseguiu o BPC.

Exemplo 2: Homem de 58 anos, DM2, pé diabético com amputação parcial, renda familiar próxima do limite, mas com despesas elevadas de saúde. O benefício foi concedido judicialmente.

Exemplo 3: Jovem de 19 anos, DM1 com retinopatia proliferativa, dificuldades escolares e financeiras. O benefício foi deferido após avaliação biopsicossocial.

Exemplo 4: Idosa de 67 anos com DM2 controlada, sem complicações graves. O benefício foi concedido pela modalidade “idoso”, apenas pelo critério etário e de renda.

Boas práticas para fortalecer o pedido

  • Tenha laudos médicos detalhados, com CID e histórico clínico.

  • Documente limitações funcionais e barreiras enfrentadas.

  • Comprove gastos regulares com saúde e transporte.

  • Mantenha o CadÚnico sempre atualizado.

  • Recorra em caso de negativa, utilizando todos os meios de prova disponíveis.

Perguntas e respostas

Quem tem diabetes sempre consegue o BPC?
Não. O diagnóstico, por si só, não basta. É preciso comprovar impedimento de longo prazo e baixa renda.

Qual é a renda exigida?
A regra é renda familiar per capita até ¼ do salário-mínimo, podendo ser flexibilizada diante de provas de vulnerabilidade.

Preciso contribuir ao INSS para ter BPC?
Não. O benefício é assistencial, não contributivo.

Sou idoso com 65+ e diabético. Preciso provar deficiência?
Não. Basta cumprir o critério etário e de renda.

Tenho DM2 controlada. Posso conseguir?
Em regra, não, salvo se houver complicações graves. Para idosos, o direito existe independentemente da gravidade da doença.

E se meu pedido for negado?
Cabe recurso administrativo ou ação judicial.

Se arrumar emprego com carteira, perco o benefício?
Sim, mas pode haver direito ao Auxílio-Inclusão.

Conclusão

A diabetes crônica pode dar direito ao BPC/LOAS, desde que preenchidos os critérios legais: renda familiar per capita dentro do limite e comprovação de impedimento de longo prazo que afete a participação plena da pessoa na sociedade. O foco está na funcionalidade e nas barreiras enfrentadas, e não apenas no diagnóstico médico. Idosos com 65 anos ou mais podem requerer o benefício independentemente de deficiência. Embora o processo exija provas detalhadas, quando bem instruído, garante a proteção de renda e a dignidade de pessoas em situação de vulnerabilidade.

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