CID F70 tem direito ao BPC Loas?

CID F70, que corresponde à deficiência intelectual leve, não dá direito automático ao BPC/LOAS. O benefício é devido quando a pessoa comprova, ao mesmo tempo, impedimento de longo prazo de natureza intelectual que, em interação com barreiras, restringe sua participação plena e efetiva na sociedade e baixa renda familiar per capita. Em outras palavras: quem tem F70 pode receber o BPC se a avaliação biopsicossocial demonstrar limitações funcionais relevantes e se a renda familiar, analisada conforme a lei e a jurisprudência, revelar vulnerabilidade econômica suficiente. A seguir, explico passo a passo tudo o que você precisa saber para avaliar, pedir e comprovar esse direito.

O que é CID F70 e por que o diagnóstico isolado não basta

O CID F70 classifica a deficiência intelectual leve. Os critérios clínicos envolvem limitações no funcionamento intelectual e, sobretudo, no funcionamento adaptativo, com início no período do desenvolvimento. No cotidiano, isso pode se traduzir em dificuldades para aprendizagem escolar, compreensão de conceitos abstratos, planejamento, tomada de decisão, leitura de contextos sociais, manejo de dinheiro e autonomia para tarefas complexas.

Para o BPC/LOAS, o ponto central não é o rótulo diagnóstico, mas o efeito desse quadro na vida real. A legislação assistencial brasileira exige a presença de impedimentos de longo prazo que, somados às barreiras do meio (escola, trabalho, transporte, comunicação, atitudes sociais), restrinjam a participação plena e efetiva. Essa avaliação é funcional e contextual: duas pessoas com F70 podem ter desfechos diferentes, a depender do grau de apoio necessário e das condições ambientais e sociais em que vivem.

Quem tem direito ao BPC/LOAS e onde o F70 se encaixa

O BPC garante um salário-mínimo mensal a duas categorias: pessoas idosas a partir de 65 anos e pessoas com deficiência de qualquer idade. Para a pessoa com deficiência, contam dois pilares:

  1. Impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, com repercussão nas atividades e na participação social.

  2. Situação de vulnerabilidade econômica aferida pela renda familiar per capita e por outros elementos de prova social, com possibilidade de flexibilização conforme entendimento judicial.

A deficiência intelectual leve (F70) pode se enquadrar quando o funcionamento adaptativo exigir apoios frequentes ou intensivos para atividades da vida diária e para participação em contextos típicos (escola regular, cursos profissionalizantes, trabalho, transporte público), resultando em desvantagens concretas. O diagnóstico abre a porta; quem define a passagem é a prova do impacto funcional e a condição socioeconômica.

Impedimento de longo prazo: o que significa na prática

Impedimento de longo prazo é aquele que se estende no tempo, não se limitando a episódios transitórios, e que, em interação com barreiras, restringe a participação. No F70, alguns sinais que costumam evidenciar esse impedimento são:

  1. Necessidade de mediação constante para compreender instruções e regras simples.

  2. Dificuldade para manter rotinas sem supervisão e para se deslocar com segurança.

  3. Comprometimento do manejo de dinheiro, de prazos e de documentos.

  4. Vulnerabilidade a exploração, bullying e condutas de risco por baixa compreensão social.

  5. Baixa autonomia para autocuidado ampliado e para atividades instrumentais da vida diária (compras, uso de serviços, transporte, comunicação administrativa).

A comprovação não se faz apenas com laudo médico. Relatórios pedagógicos, avaliações neuropsicológicas, pareceres de terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicopedagogo, além de registros da rede de proteção (CRAS, CREAS, CAPS i/AD), compõem um quadro robusto da funcionalidade.

Critério socioeconômico: renda, vulnerabilidade e flexibilização

Em regra, considera-se a renda familiar per capita como referência objetiva de vulnerabilidade. Tradicionalmente, o parâmetro legal é estrito, mas a jurisprudência admite flexibilização, reconhecendo que o critério aritmético pode não captar a pobreza real. Na análise concreta, pesam:

  1. Custos adicionais decorrentes da deficiência, como transporte especial, terapias, medicações, fraldas, alimentação diferenciada e acompanhamentos.

  2. Despesas essenciais do arranjo familiar (aluguel, água, luz, gás) e composição da família (número de dependentes, idoso acamado, crianças pequenas).

  3. Instabilidade de rendimentos (bicos, sazonalidade, informalidade).

  4. Eventuais rendas de programas sociais que, por sua natureza, podem ser desconsideradas ou relativizadas na análise judicial.

Mesmo quando a renda formal por cabeça parece pouco acima do parâmetro, é possível demonstrar vulnerabilidade por meio de estudo social minucioso, notas fiscais, receitas, laudos e depoimentos.

Avaliação biopsicossocial: como o INSS mede a deficiência e a participação

A avaliação para o BPC combina perícia médica e avaliação social. O objetivo é mensurar, de modo estruturado, as limitações no desempenho de atividades e os fatores ambientais que funcionam como barreiras ou facilitadores. No F70, a equipe pericial costuma observar:

  1. Comunicação e compreensão: leitura, escrita funcional, oralidade, compreensão de instruções.

  2. Mobilidade e vida diária: deslocamento, uso de transporte público, autocuidado, organização da rotina.

  3. Vida escolar e aprendizagem: dificuldades persistentes, necessidade de AEE (atendimento educacional especializado), relatórios pedagógicos.

  4. Vida social e comunitária: participação em atividades comuns, relações interpessoais, exposição a situações de risco.

  5. Vida ocupacional: empregabilidade, necessidade de apoio, experiências de trabalho protegido ou apoiado.

A avaliação social, conduzida por assistente social, é decisiva para retratar a realidade do domicílio, a rede de apoios, o orçamento familiar e as barreiras locais (ausência de serviços, transporte precário, violência, preconceito).

Documentos que fortalecem o pedido de F70 no BPC

Quanto mais objetiva e atual a documentação, maiores as chances de deferimento. Exemplos úteis:

  1. Relatório médico com CID F70, histórico, evolução e descrição do funcionamento adaptativo.

  2. Avaliação neuropsicológica com instrumentos validados e análise do funcionamento intelectual e adaptativo.

  3. Relatórios escolares, histórico de AEE, PDI/PEI (plano educacional individualizado), notas de mediadores.

  4. Parecer de terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo sobre autonomia e comunicação funcional.

  5. Registro de acompanhamento pelo CRAS/CREAS, CAPS, NASF/Equipe Multiprofissional.

  6. Comprovantes de despesas específicas com a deficiência.

  7. Cadastro Único atualizado, com visita domiciliar realizada e dados corretos.

Passo a passo para requerer o BPC por F70

  1. Organize os documentos pessoais de todos os integrantes da família e mantenha o Cadastro Único atualizado no CRAS do território.

  2. Reúna a documentação técnica descrita acima, priorizando relatórios recentes e detalhados.

  3. Faça o requerimento do BPC no Meu INSS ou pelos canais oficiais, anexando os documentos e informando a realidade do domicílio.

  4. Compareça às avaliações pericial e social com todos os papéis e, se possível, com responsável que conheça a rotina do beneficiário.

  5. Acompanhe o andamento. Se houver exigência, responda no prazo com documentos complementares. Em caso de indeferimento, peça cópia dos pareceres e formule recurso administrativo fundamentado.

Motivos comuns de indeferimento e como prevenir

  1. Falta de Cadastro Único atualizado ou inconsistências cadastrais.

  2. Laudos genéricos, sem descrição funcional e sem histórico longitudinal.

  3. Ausência de avaliação social robusta sobre despesas extraordinárias e barreiras.

  4. Renda formal ligeiramente acima do parâmetro, sem prova de custos e de vulnerabilidade real.

  5. Perícia que não considerou relatórios escolares, terapias ou rede socioassistencial.

A prevenção passa por dossiê bem montado, com foco em funcionalidade e contexto social, além de uma entrevista social clara e coerente.

Crianças e adolescentes com F70: particularidades

O BPC é devido a pessoas com deficiência de qualquer idade. Para crianças e adolescentes com F70, atenção a pontos específicos:

  1. Comprovar o impacto na participação escolar, necessidade de AEE, presença de mediador/cuidador e as dificuldades no convívio comunitário.

  2. Demonstrar os custos adicionais da família com terapias, transporte, materiais adaptados, consultas.

  3. Trazer relatórios atualizados de escola e profissionais, com linguagem objetiva sobre autonomia e necessidade de apoios.

  4. Distinguir dificuldades específicas de aprendizagem (que podem não configurar deficiência intelectual) de um quadro de DI leve com impacto adaptativo amplo.

Adultos com F70: autonomia, curatela e proteção

A concessão do BPC não exige interdição. A curatela, quando necessária, deve ser proporcional e limitada aos atos patrimoniais e negociais em que a pessoa efetivamente precisa de apoio. Em F70, é comum a necessidade de apoio para gestão de dinheiro, contratos, assinatura de documentos e proteção contra fraudes. Estratégias:

  1. Planejar apoio formal e informal à tomada de decisão.

  2. Registrar procuração específica ou termo de curatela limitada, quando cabível.

  3. Manter educação financeira assistida e supervisão de gastos.

Compatibilidades e vedações do BPC

  1. O BPC não paga 13º e não gera pensão por morte.

  2. Em regra, não pode ser acumulado com benefícios previdenciários (aposentadorias e pensões), salvo hipóteses muito específicas de benefícios de natureza distinta, observadas as vedações legais.

  3. O recebimento do BPC pode abrir portas para isenções e prioridades locais (tarifa social de energia, prioridade de atendimento, transporte), conforme legislação estadual/municipal, sem alteração do BPC em si.

Trabalho, Auxílio-Inclusão e manutenção de direitos

A política de inclusão laboral da pessoa com deficiência prevê mecanismos para estimular o emprego sem punir o beneficiário:

  1. Auxílio-Inclusão: benefício financeiro mensal para a pessoa com deficiência moderada ou grave que, sendo beneficiária do BPC ou tendo sido beneficiária há pouco tempo, ingressa no mercado de trabalho formal. Ao receber o auxílio, o BPC é suspenso, não cancelado. Se o vínculo se encerrar, é possível solicitar a reativação do BPC, preservando o histórico.

  2. Acompanhamento pelo CRAS e pela rede de emprego apoiado, com ajustes razoáveis no ambiente de trabalho.

Para casos de F70, o emprego apoiado, com tutor e adaptações simples, costuma ser efetivo, sem que isso, por si, elimine o direito a retomada do BPC se a experiência fracassar.

Estudo social e prova da vulnerabilidade: como escrever certo

O estudo social é onde se demonstra a realidade do domicílio. Dicas para um relatório persuasivo:

  1. Descrever a casa, o entorno, o acesso a serviços, o transporte e as barreiras do território.

  2. Detalhar a rotina do beneficiário: locomoção, autocuidado, comunicação, lazer, tarefas domésticas.

  3. Registrar as despesas essenciais e extraordinárias, com notas e recibos.

  4. Explicar por que a renda aparente não supre as necessidades mínimas, especialmente diante dos custos da deficiência.

Tabela-prática: checklist para BPC por F70

Item O que apresentar Observações
Identificação e família RG, CPF, certidão, comprovante de residência, composição familiar Todos atualizados
Cadastro Único Folha resumo e data da última atualização Atualização periódica é essencial
Laudo médico CID F70, histórico clínico, descrição funcional, prognóstico Evitar laudos lacônicos
Avaliação neuropsicológica Relatório com testes e análise adaptativa Priorizar instrumentos validados
Relatórios escolares AEE, PDI/PEI, frequência, desempenho, mediações Mostrar necessidade de apoios
Terapias e saúde TO, fono, psicologia, psiquiatria, fisioterapia Indicar frequência e custos
Estudo social Relatório do CRAS/assistência com renda, despesas, barreiras Assinatura e data
Comprovantes de despesa Transporte, medicação, alimentação especial, fraldas Guardar notas e recibos
Justificativa técnica Texto integrando as provas, enfatizando participação e barreiras Fundamentação coesa

Exemplos concretos

  1. Adolescente de 14 anos, F70, atraso escolar de três anos, AEE, necessidade de mediador, dificuldade de deslocamento sozinho, mãe solo com trabalho eventual e renda instável. Família gasta com transporte até o AEE e com terapias comunitárias. Estudo social mostra vulnerabilidade e barreiras. Cenário típico de deferimento.

  2. Adulto de 23 anos, F70, concluiu EJA com forte apoio da família, sem autonomia para lidar com dinheiro e deslocamentos, mora em área sem oferta de emprego apoiado, família com renda mínima e despesas altas de aluguel. Laudos consistentes e estudo social detalhado: elegibilidade provável.

  3. Criança de 8 anos com dificuldades de aprendizagem, sem confirmação de DI, com melhora significativa após intervenções. Ausência de avaliação neuropsicológica conclusiva e relatórios escolares ambíguos. Neste cenário, a prova ainda é frágil: o caminho é completar diagnósticos e fortalecer a documentação.

Recursos administrativos e ação judicial

Indeferiu? Peça cópia integral do processo e dos pareceres pericial e social. No recurso:

  1. Aponte omissões e inconsistências.

  2. Anexe documentos novos, especialmente estudo social detalhado e relatórios funcionais.

  3. Peça reavaliação integrada, destacando custos extraordinários e barreiras.

Persistindo a negativa, a via judicial permite:

  1. Perícia médica e social independentes, com quesitos específicos.

  2. Consideração de elementos de prova que nem sempre são bem valorizados na esfera administrativa, como depoimentos e inspeção domiciliar.

  3. Aplicação de precedentes que flexibilizam o critério estritamente aritmético de renda quando comprovada vulnerabilidade.

Boas práticas para advogados e defensorias

  1. Construa linha do tempo clínica e sociofamiliar.

  2. Exija relatórios descritivos, não atestados de uma linha.

  3. Padronize um roteiro de entrevista social com foco em participação e barreiras.

  4. Mapeie benefícios acessórios possíveis no território (transporte, isenções locais).

  5. Nas petições, traduza o F70 em linguagem funcional: explique o que a pessoa consegue e o que não consegue sem apoio, e por quê.

Dúvidas frequentes

  1. Quem tem CID F70 tem direito automático ao BPC?
    Não. O direito depende de comprovar impedimento de longo prazo com restrições de participação e vulnerabilidade econômica. O diagnóstico, sozinho, não garante o benefício.

  2. Criança com F70 pode receber BPC?
    Sim. O BPC é devido a pessoas com deficiência de qualquer idade. A prova deve mostrar como o F70 impacta a participação escolar e comunitária e quais apoios são necessários.

  3. Precisa de avaliação neuropsicológica para o BPC?
    Não é obrigatório, mas frequentemente ajuda a demonstrar o funcionamento intelectual e adaptativo, fortalecendo o conjunto probatório.

  4. O que conta como família para cálculo da renda?
    A unidade familiar que vive sob o mesmo teto e compartilha despesas. Em casos específicos, a jurisprudência pode relativizar a composição quando a realidade assim exigir.

  5. Se a renda passar um pouco do parâmetro, perco o direito?
    Não necessariamente. É possível demonstrar vulnerabilidade por custos extraordinários ligados à deficiência e por meio de estudo social detalhado.

  6. O BPC paga 13º?
    Não. O BPC não paga 13º e não gera pensão por morte.

  7. Posso trabalhar e manter o BPC?
    Regra geral, o BPC é incompatível com renda de trabalho. Para inclusão laboral, existe o Auxílio-Inclusão, que suspende o BPC e permite retorno ao benefício se o vínculo se encerrar, observadas as regras.

  8. Precisa de curatela para receber o BPC?
    Não. Curatela só se for necessária e deve ser proporcional, limitada a atos patrimoniais em que a pessoa precise de apoio.

  9. Relatórios da escola e do AEE ajudam?
    Muito. Eles descrevem a participação e a necessidade de apoio, elementos-chave na avaliação.

  10. Posso pedir retroativo se demorar a análise?
    Se deferido, é possível receber parcelas retroativas desde a data do requerimento, descontados eventuais períodos de indeferimento definitivo ou interrupções justificadas.

  11. O que fazer se o INSS negar por renda?
    Recorra com estudo social e comprovantes de despesas extraordinárias. Se necessário, judicialize buscando análise mais ampla da vulnerabilidade.

  12. Quem recebe outro benefício na família atrapalha?
    Depende. Alguns benefícios podem ser desconsiderados ou relativizados na análise judicial. O importante é demonstrar a insuficiência dos recursos diante das necessidades reais.

  13. O BPC pode ser cortado?
    Pode ser revisto. Mantenha o CadÚnico atualizado, informe mudanças de renda e preserve a documentação que comprova a continuidade do impedimento.

  14. Preciso levar a pessoa com F70 à perícia?
    Sim, salvo justificativas médicas para avaliação domiciliar. Compareça com quem conhece a rotina do beneficiário e leve todos os documentos.

  15. Ter F70 e ser alfabetizado impede o BPC?
    Não. Alfabetização básica não elimina as limitações adaptativas. O que importa é a necessidade de apoio e as restrições de participação, não a mera capacidade de ler e escrever.

Conclusão

Ter CID F70 não assegura, por si só, o BPC/LOAS. O benefício nasce da convergência entre impedimentos de longo prazo que, somados às barreiras do meio, restringem a participação social, e a vulnerabilidade econômica do arranjo familiar. Em casos de deficiência intelectual leve, a chave está em traduzir o diagnóstico em funcionalidade: mostrar objetivamente o que a pessoa consegue ou não consegue fazer sem apoio, quais apoios são indispensáveis e como o contexto social e econômico limita a sua vida cotidiana. Do ponto de vista operacional, um dossiê consistente — com relatórios clínicos e pedagógicos, avaliação neuropsicológica quando possível, pareceres de terapia ocupacional e fonoaudiologia, estudo social detalhado e CadÚnico atualizado — faz toda a diferença.

Se houver indeferimento, o recurso administrativo bem fundamentado e, quando necessário, a ação judicial com perícia independente permitem que o caso seja reexaminado com maior sensibilidade às especificidades do F70 e às barreiras concretas do território. Com estratégia documental cuidadosa e foco na participação e na vulnerabilidade real, é plenamente possível transformar um diagnóstico em uma narrativa técnica sólida e justa, capaz de sustentar o direito ao BPC/LOAS para quem dele efetivamente necessita.

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