Quem é portador de cardiopatia grave tem direito à isenção do Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria, reforma (no caso de militares) e pensões, inclusive o 13º desses proventos. Esse direito vale tanto durante o tratamento quanto em períodos de estabilidade clínica e não alcança salários de trabalho em atividade, rendas de autônomo, aluguéis ou outras fontes que não se enquadrem como proventos de inatividade ou pensão. Para efetivar a isenção e recuperar valores pagos indevidamente, é indispensável comprovar a condição por meio de laudo médico idôneo, preferencialmente oficial, cessar a retenção do imposto na fonte pagadora e formalizar o pedido no e-CAC, com eventual retificação das declarações dos últimos cinco anos.
O que se entende por cardiopatia grave para fins de isenção
Cardiopatia grave é um termo jurídico-médico que abrange doenças do coração com potencial elevado de comprometer a capacidade funcional, a expectativa e a qualidade de vida, como, por exemplo, cardiomiopatias dilatadas ou hipertensivas com disfunção significativa, cardiopatia isquêmica avançada, insuficiência cardíaca em classes funcionais moderadas a graves, valvopatias graves, arritmias refratárias com risco elevado, sequelas de cirurgias cardíacas complexas e outras condições que, por avaliação médico-especializada, se enquadrem como graves. O foco não é o nome exato da doença, mas a gravidade do quadro e sua repercussão funcional, atestadas por especialista e por junta ou serviço médico oficial quando se busca o reconhecimento administrativo.
Quem tem direito e sobre quais rendas incide a isenção
A isenção é pessoal e recai sobre rendimentos de inatividade e pensões:
• aposentadoria do regime geral (INSS) ou de regime próprio (RPPS);
• reforma de militares;
• pensões civis e militares;
• complementações de aposentadoria e pensão pagas por entidades de previdência complementar, quando vinculadas aos proventos de inatividade;
• o 13º relativo a esses proventos.
Ficam fora do alcance da isenção:
• salários e pró-labore de quem continua trabalhando;
• rendimentos de trabalho autônomo e profissional liberal;
• aluguéis, royalties e juros de aplicações financeiras sem natureza de provento de inatividade;
• resgates que não configurem complementação de aposentadoria/pensão.
Em outras palavras, se você é aposentado e também possui um emprego, apenas a aposentadoria é isenta por cardiopatia grave; o salário permanece tributável.
Direito durante tratamento, estabilidade ou remissão
Para cardiopatia grave, não é exigida a “contemporaneidade” dos sintomas para manter a isenção. Isso significa que o benefício fiscal persiste mesmo quando o quadro está clinicamente estável, desde que a condição de gravidade esteja comprovada por laudo e que a cardiopatia mantenha potencial de recidiva, descompensação ou repercussão funcional relevante. Em medicina, muitas cardiopatias graves têm curso crônico e oscilante; a lógica da isenção acompanha essa realidade, protegendo o contribuinte mesmo em períodos de controle clínico.
O laudo médico: peça central do processo
O laudo é o documento que prova a condição e serve para dois objetivos: interromper a retenção de IR nos proventos futuros e fundamentar a correção do passado (retificação das declarações). Para evitar exigências e indeferimentos, o laudo deve conter:
• identificação completa do paciente (nome e CPF);
• identificação do médico (nome, CRM, especialidade em cardiologia ou área correlata), com assinatura e carimbo ou assinatura eletrônica válida;
• diagnóstico claro de cardiopatia grave, com CID principal e, quando aplicável, CIDs secundários;
• data de início da doença ou data provável, com base em exames e prontuários;
• descrição do quadro: classe funcional (quando houver), fração de ejeção, presença de dispositivos (marcapasso, CDI, ressincronizador), histórico de internações, revascularizações, cirurgias valvares, transplante, terapias em curso (medicação, anticoagulação, reabilitação);
• conclusão explícita sobre a gravidade e o caráter crônico/recidivante;
• prazo de validade: quando clinicamente adequado, mencionar que não há prazo de validade, evitando renovações desnecessárias.
Laudos sintéticos e vagos, sem CID ou sem data de início, tendem a gerar exigências e atrasos.
Onde obter o laudo e qual caminho escolher
Existem quatro vias principais:
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Serviço médico oficial do INSS: adequado para beneficiários do regime geral; costuma facilitar a cessação da retenção na própria folha do INSS.
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Junta médica/serviço oficial de RPPS: servidores aposentados e pensionistas de estados, DF, municípios e União devem seguir o fluxo do respectivo ente, inclusive estruturas como SIASS, quando houver.
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Órgãos militares e diretorias de saúde: para reformados e pensionistas militares, o laudo pode ser emitido no âmbito do sistema próprio.
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Laudo de médico particular: excelente para consolidar histórico e subsidiar a perícia oficial; na via judicial, possui alto valor quando bem fundamentado e acompanhado de exames. Na via administrativa, pode ser aceito, mas muitas vezes exigirá validação por serviço oficial.
A escolha depende do seu objetivo imediato: cessar o IR na fonte pagadora costuma fluir mais rápido com laudo oficial da própria folha; para retroatividade ampla e maior robustez probatória, é útil ter também relatório detalhado do cardiologista assistente.
Prazo de validade e reavaliações
Em cardiopatias graves crônicas, é razoável que o laudo seja emitido sem prazo de validade. Quando houver justificativa clínica para reavaliação (por exemplo, após procedimento recente com expectativa de melhora substancial), a autoridade médica pode fixar prazo. Se for o seu caso, programe-se para renovar antes do vencimento, a fim de evitar o retorno da retenção na folha.
Marco temporal: quando a isenção começa a valer
O marco temporal define o alcance dos retroativos:
• doença posterior à aposentadoria/pensão: a isenção passa a valer a partir da data de início/diagnóstico indicada no laudo, valendo para todo o mês do diagnóstico;
• doença anterior à aposentadoria/pensão: a isenção vale desde a data de concessão do benefício;
• laudo sem data de início: na prática administrativa, costuma valer desde a data do laudo. Por isso, sempre que possível, trabalhe para fixar a data correta com base em exames e prontuários.
Definido o marco, você sabe exatamente quais meses e anos-calendário devem ser retificados para recuperar o que foi cobrado a maior.
O que fica isento e como lançar corretamente na declaração
Na declaração anual:
• lance os proventos e o 13º como “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”, na rubrica específica de moléstia grave;
• mantenha como tributáveis os salários e outras rendas de atividade;
• se houver complementação de aposentadoria/pensão por entidade de previdência, aplique a mesma regra de isenção, desde que seja efetivamente complementação de proventos.
Se você tem 65 anos ou mais, há uma parcela mensal adicional isenta específica para proventos de aposentadoria/pensão. Essa parcela é distinta da isenção por cardiopatia grave e possui campos próprios no programa do IR. É muito comum aproveitar as duas isenções cumulativamente, quando aplicável.
Como cessar a retenção na fonte pagadora
Com o laudo em mãos:
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protocole o pedido de isenção na fonte pagadora (INSS, RPPS, fundo de pensão ou órgão militar), anexando o laudo e documentos do benefício;
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solicite a interrupção imediata da retenção de IR nos proventos;
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guarde o protocolo e confira o primeiro contracheque após o pedido;
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paralelamente, abra o processo no e-CAC para formalizar a isenção e preparar a recuperação dos retroativos por meio de retificações.
Passo a passo no e-CAC
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acesse o e-CAC e selecione a opção para abrir processo digital relacionado ao IRPF;
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escolha o serviço de isenção por moléstia grave;
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anexe o dossiê completo: laudo, documento de identificação, CPF, carta de concessão/ato de aposentadoria ou pensão, contracheques, informes de rendimentos e requerimento objetivo indicando o marco temporal;
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acompanhe as movimentações e responda a exigências com complementos do laudo, exames e relatórios;
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após o reconhecimento, retifique as declarações alcançadas para viabilizar a restituição.
Como recuperar valores pagos indevidamente
A recuperação se dá por retificações de declarações dos anos-calendário ainda dentro do prazo usual de cinco anos. O método prático:
• mapeie os anos atingidos pelo marco temporal;
• levante os informes de rendimentos e os valores de IR retidos em cada ano;
• em cada declaração, transfira os proventos afetados para a ficha de rendimentos isentos, na rubrica de moléstia grave;
• respeite a proporcionalidade intranual: isente os meses a partir do marco e mantenha tributáveis os meses anteriores;
• não esqueça do 13º dos proventos;
• valide e transmita. O sistema recalcula o imposto e, havendo saldo a restituir, a atualização é aplicada automaticamente no processamento.
Complementação de aposentadoria e previdência complementar
Se você recebe complementação de aposentadoria/pensão por entidade de previdência (fechada ou aberta), esses valores, quando configurarem complementação de proventos de inatividade, seguem o mesmo tratamento isento a partir do marco temporal. É essencial identificar corretamente, na declaração, cada fonte pagadora com seu CNPJ e valores. Em caso de múltiplas fontes (INSS + fundo de pensão + RPPS), o procedimento deve ser repetido para cada uma, evitando divergências e malha.
13º de proventos: como tratar
O 13º referente a aposentadoria, reforma e pensão acompanha a natureza isenta quando há reconhecimento por cardiopatia grave. Isso vale a partir do marco temporal no ano do diagnóstico. Exemplo: se a isenção passa a valer em julho, o 13º proporcional desse ano deve ser tratado como isento conforme as regras do programa do IR.
Erros comuns que levam a exigências
• laudo sem CID, sem data de início ou sem assinatura/CRM;
• anexos ilegíveis no processo digital;
• confundir salário com proventos e lançar tudo como isento;
• esquecer de lançar o 13º como isento;
• omitir previdência complementar que integra o conjunto de proventos;
• divergências de identificação da fonte pagadora entre informe e declaração.
Revisar tudo antes de protocolar poupa tempo e evita retrabalho.
Diferenças entre via administrativa e judicial
Na via administrativa, a exigência de laudo oficial é a regra prática para cessar a retenção e reconhecer a isenção sem litígio. Na via judicial, relatórios e exames de médicos particulares podem bastar quando formam um conjunto probatório robusto; em muitos casos, o juiz determina perícia judicial para confirmar o diagnóstico, a gravidade e o marco temporal. A escolha entre insistir administrativamente ou ingressar em juízo é estratégica e depende da urgência, do histórico clínico e da documentação disponível.
Situações especiais
• Aposentado que continua trabalhando: apenas os proventos são isentos; o salário permanece tributável.
• Mais de uma pensão ou provento: a isenção se aplica a todas as fontes de inatividade, desde que corretamente identificadas.
• Contribuinte falecido: o inventariante pode promover as retificações para recuperar imposto pago a maior, observadas as rotinas do inventário.
• Dispositivos cardíacos implantáveis: a presença de marcapasso, CDI ou ressincronizador, por si só, não define a isenção, mas são fortes indicativos da gravidade quando contextualizados no laudo.
Checklist do dossiê ideal
• laudo cardiológico completo, com CID, data de início e conclusão inequívoca;
• relatório do cardiologista assistente com cronologia de exames e terapias;
• exames-chave com datas (ecocardiograma, cintilografia, ressonância, cateterismo, teste ergométrico, biomarcadores);
• carta de concessão ou ato de aposentadoria/pensão;
• contracheques e informes de rendimentos por fonte;
• requerimento simples e direto à fonte pagadora e ao e-CAC, mencionando o marco temporal;
• planilha com meses isentos e estimativa de restituição por ano.
Tabela prática: caminhos, documentos e uso recomendado
Perfil do beneficiário | Onde obter o laudo primeiro | Vantagem principal | Eventual desvantagem | Melhor uso |
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Aposentado/pensionista do INSS | Perícia/serviço médico do INSS | Cessa a retenção na folha do INSS com mais fluidez | Agenda pode demorar | Foco em parar o desconto imediatamente |
Servidor aposentado/pensionista de RPPS | Junta/serviço médico oficial do ente | Padroniza com a folha do ente | Procedimentos variam por ente | Casos com regras internas bem definidas |
Reformado/pensionista militar | Diretorias/sistemas de saúde militares | Aderência ao fluxo próprio | Trâmites específicos | Necessidade de alinhamento com o órgão |
Qualquer beneficiário | Cardiologista particular (relatório robusto) | Rapidez e profundidade clínica | Pode exigir validação oficial administrativa | Fortalecer perícia oficial e uso judicial |
Como organizar o cálculo e priorizar retificações
Monte uma planilha com:
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linha do tempo por ano-calendário, marcando os meses isentos;
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valores brutos de proventos e 13º por fonte pagadora;
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IR retido e imposto apurado no ajuste anual;
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estimativa de restituição.
Retifique primeiro os anos com maior retorno financeiro e documentação mais redonda. Guarde recibos e acompanhe o processamento.
Estudos de caso para ilustrar
Caso 1: diagnóstico após a aposentadoria
Helena, aposentada desde 2019, recebeu diagnóstico de cardiomiopatia dilatada em abril de 2023. O laudo oficial fixou a data de início nessa ocasião. Medidas práticas: cessação da retenção a partir de maio de 2023; retificação de 2023 (isentos abril a dezembro e 13º proporcional) e de 2024 (ano cheio), com restituições processadas. Em 2025, com quadro estável, manteve a isenção com base no mesmo laudo e seguimento cardiológico.
Caso 2: cardiopatia anterior à pensão
Paulo tinha cardiopatia grave desde 2021, documentalmente comprovada. Tornou-se pensionista em fevereiro de 2024. A isenção vale desde a data de início da pensão. Resultado: 2024 inteiro isento para a pensão (incluindo o 13º); cessação da retenção após o protocolo do laudo no órgão pagador e regularização no e-CAC.
Caso 3: laudo particular robusto e validação por RPPS
Dora, servidora aposentada, apresentou relatório detalhado do cardiologista com eco, ressonância e história de internações. A junta do RPPS emitiu laudo pericial oficial confirmando cardiopatia grave e data de início em novembro de 2022. Com o laudo oficial, cessou a retenção; retificou 2022 (parcial), 2023 e 2024 e obteve restituições sem novas exigências.
Caso 4: múltiplas fontes e previdência complementar
Eduardo recebe proventos do INSS e complementação de entidade fechada. Diagnosticado em 2020, lançou ambas as fontes como isentas a partir do marco e tratou corretamente o 13º de cada uma. Evitou malha por identificar cada CNPJ e responder, em intimação, com a íntegra do laudo e dos informes.
Boas práticas que aceleram o deferimento
• peça ao médico linguagem clara e objetiva, com CID e data de início;
• evite digitalizações de baixa qualidade;
• nomeie os PDFs com padrão lógico (Laudo-Cardiopatia-CID-AAAA-MM-DD);
• responda exigências apontando exatamente onde, no laudo, está cada informação pedida;
• mantenha organizadas as evidências clínico-documentais por ano.
Perguntas e respostas
Preciso, obrigatoriamente, de laudo de serviço médico oficial?
Para a via administrativa e para cessar a retenção, é a via mais segura e, em geral, exigida. Relatórios de médicos particulares são importantíssimos para subsidiar a perícia oficial e podem ser decisivos em eventual demanda judicial.
Estando clinicamente estável, perco o direito?
Não. Em cardiopatia grave, a estabilidade clínica não extingue o caráter grave e recidivante do quadro. A isenção se mantém com base no laudo e na documentação do histórico.
O 13º dos proventos também é isento?
Sim. O 13º vinculado a aposentadoria, reforma ou pensão acompanha o tratamento isento a partir do marco temporal.
Tenho 65 anos. Posso somar essa isenção com a parcela isenta própria da idade?
Sim. A parcela mensal isenta para quem tem 65 anos ou mais é instituto distinto e pode ser cumulada com a isenção por cardiopatia grave, desde que informada corretamente nos campos próprios da declaração.
A partir de quando posso recuperar o que paguei a maior?
A partir do marco temporal: a data do diagnóstico/início quando a doença é posterior à aposentadoria/pensão, ou a data de concessão do benefício quando a doença já existia. Em regra, é possível retificar os últimos cinco anos.
E se o laudo não trouxer a data de início?
Na prática administrativa, conta-se a partir da data do laudo. Para aumentar a retroatividade, tente complementar o documento com exames e prontuários que permitam fixar a data correta.
Laudo particular é suficiente?
Ajuda muito, especialmente na esfera judicial. No administrativo, pode haver exigência de validação por serviço oficial. Estratégia comum: levar o relatório particular robusto à perícia oficial para conversão em laudo pericial.
Continuo trabalhando e recebendo salário. O salário fica isento?
Não. Apenas proventos de inatividade e pensões entram na isenção por cardiopatia grave. O salário permanece tributável.
Recebo complementação de aposentadoria. Ela entra?
Sim, desde que seja complementação de aposentadoria/pensão vinculada aos proventos. Lance cada fonte separadamente com seus dados corretos.
A pessoa faleceu com direito à isenção e não pediu. Os herdeiros podem buscar?
Podem. O inventariante promove as retificações em nome do espólio, observando as formalidades do inventário.
O que fazer se a fonte pagadora não cessar a retenção?
Protocole pedido formal com o laudo e, se persistir, leve o caso ao processo administrativo tributário. Persistindo a resistência, a via judicial é possível. Enquanto isso, retifique as declarações para recuperar os valores pagos indevidamente.
Conclusão
A cardiopatia grave garante ao aposentado, pensionista ou militar reformado a isenção do Imposto de Renda sobre seus proventos, inclusive o 13º, independentemente de a doença estar em fase aguda ou em estabilidade clínica. O que torna esse direito efetivo é um laudo médico tecnicamente completo, preferencialmente validado por serviço oficial, que identifique a doença com CID, fixe a data de início e descreva a gravidade de forma clara. Com isso em mãos, o caminho prático é direto: cessar a retenção na fonte pagadora, formalizar a isenção no e-CAC e retificar as declarações alcançadas pelo marco temporal para recuperar o imposto pago a maior, normalmente dentro de uma janela de cinco anos. Atenção especial a pontos como proporcionalidade intranual no ano do diagnóstico, 13º dos proventos, previdência complementar e correta identificação de cada fonte pagadora reduz exigências e acelera o resultado. Em suma, organização documental e estratégia processual transformam um direito legal em alívio financeiro concreto, sem descontinuidade mesmo quando o coração volta a bater num ritmo mais tranquilo.