Quem tem câncer (neoplasia maligna) tem direito à isenção de Imposto de Renda sobre proventos de aposentadoria, reforma e pensão, inclusive o 13º desses proventos, e esse direito não depende de a doença estar “ativa” — ele subsiste durante o tratamento e também na remissão clínica, desde que devidamente comprovado por laudo médico idôneo. A isenção não alcança salários de trabalho em atividade, rendas de autônomo ou de aluguéis. Para fazer valer o direito, o caminho prático envolve obter um laudo completo, cessar a retenção do IR na fonte pagadora, formalizar a isenção no e-CAC e retificar as declarações para recuperar valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos, a partir do marco temporal correto.
Quem tem direito e sobre quais rendas incide a isenção
A isenção é pessoal e atinge os proventos de inatividade (aposentadoria e reforma) e as pensões, inclusive as complementações pagas por entidades de previdência, desde que vinculadas a esses proventos. Integram o alcance da isenção o 13º salário dos proventos e das pensões. Ficam fora do benefício os salários de quem permanece em atividade, rendimentos de trabalho autônomo, aluguéis, resgates financeiros sem natureza de provento de inatividade e outras rendas que não se qualifiquem como aposentadoria, reforma ou pensão.
Em termos práticos: se você é aposentado e recebe também um salário por trabalhar, somente a aposentadoria é isenta em razão do câncer — o salário continua tributável. Se além da aposentadoria há uma complementação de entidade de previdência (fechada ou aberta) vinculada ao benefício, essa complementação segue a mesma regra de isenção.
Tratamento e remissão: o direito permanece mesmo sem sintomas
Para o câncer, não é exigida a “contemporaneidade” dos sintomas para manter a isenção. Isso significa que, mesmo que o tratamento tenha sido bem-sucedido e a doença esteja em remissão, o direito persiste, desde que o quadro clínico esteja adequadamente documentado. A razão é simples: o câncer é uma moléstia grave que, por sua natureza e potencial de recidiva, justifica a proteção fiscal continuada ao aposentado ou pensionista. Na prática, o que sustenta a isenção é a prova médica do diagnóstico e do histórico do quadro oncológico, e não a presença de sintomas atuais.
O laudo médico: peça central do reconhecimento do direito
O laudo é o documento que transforma o direito abstrato em realidade administrativa e tributária. Para evitar exigências e indeferimentos, ele deve conter:
• identificação do paciente (nome e CPF);
• identificação do médico (nome completo, CRM, especialidade), com assinatura e carimbo ou assinatura eletrônica válida;
• diagnóstico expresso de neoplasia maligna, com o respectivo CID;
• data de início da doença ou do diagnóstico (ou, se não for possível, a indicação de data provável com base em exames e prontuarios);
• breve histórico clínico com referências a exames e tratamentos (biópsia, cirurgia, quimio, rádio, hormonioterapia, imunoterapia, acompanhamento);
• conclusão sobre a natureza do quadro (crônico, potencialmente recidivante) e, quando compatível, menção de que não há prazo de validade do documento.
Um laudo claro e completo diminui tanto o tempo de análise quanto as chances de exigências complementares pela fonte pagadora e pela Receita.
Onde obter o laudo: caminhos administrativos e alternativos
O ideal é obter laudo por serviço médico oficial vinculado à sua fonte pagadora, pois isso acelera a cessação da retenção do IR na folha. São caminhos típicos:
• Aposentados e pensionistas do INSS: perícia/avaliação médica do próprio INSS, com base em relatório do oncologista assistente e exames.
• Servidores de regimes próprios (União, Estados e Municípios): junta médica/serviço médico oficial do ente, inclusive estruturas como as unidades de atenção à saúde do servidor.
• Aposentados/pensionistas federais e militares: órgãos e diretorias médicas competentes do respectivo sistema.
• Laudo de médico particular: útil para instruir a perícia oficial e, se necessário, para demandas judiciais; na esfera administrativa, pode ensejar exigência de validação por serviço oficial, mas fortalece muito o dossiê.
Prazo de validade do laudo e necessidade de renovação
Em oncologia, a melhor prática é que o laudo declare validade indeterminada quando o quadro clínico e a literatura médica indicarem cronicidade ou potencial de recidiva. Laudos com prazos artificiais (30, 60, 90 dias) tendem a gerar burocracia periódica sem ganho técnico. Se a sua autarquia ou órgão insistir em prazo, programe a renovação com antecedência e leve, a cada nova avaliação, resumos e exames atualizados. Estando em remissão, continue apresentando o histórico e o seguimento oncológico, pois ele embasa a manutenção da isenção.
Quando a isenção começa a valer e como definir o marco temporal
O marco temporal é o ponto de partida para a isenção e para os retroativos:
• se o câncer surgiu após a concessão da aposentadoria/pensão, a isenção conta da data de início/diagnóstico da doença (valendo para todo o mês do diagnóstico);
• se a doença já existia antes da aposentadoria/pensão, a isenção conta da data de concessão do benefício;
• se o laudo não trouxer data de início, prevalece, em regra, a data do próprio laudo.
Definido o marco, você identifica quais meses/anos-calendário serão retificados para recuperar o imposto pago a maior.
O que fica isento na prática e como lançar na declaração
Na declaração de Imposto de Renda, os valores de aposentadoria, reforma e pensão alcançados pela isenção devem ser cadastrados em “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”. O 13º correspondente também é isento. A complementação de aposentadoria/pensão paga por previdência complementar vinculada ao benefício segue a mesma lógica. Rendimentos de trabalho em atividade (salário), pró-labore e aluguéis permanecem tributáveis.
Se você completou 65 anos, existe ainda uma parcela mensal adicional isenta específica para proventos de aposentadoria/pensão, independente da doença. Essa parcela é distinta da isenção por neoplasia maligna e tem campos próprios no programa da declaração. É comum aproveitar ambos os benefícios na mesma declaração, quando aplicável.
Como cessar a retenção do IR na fonte pagadora
Com o laudo em mãos e o reconhecimento administrativo, a fonte pagadora (INSS, regime próprio, fundo de pensão, órgão militar) deve cessar a retenção na fonte dos pagamentos futuros. Proceda assim:
-
protocole o laudo e o requerimento de isenção junto à fonte pagadora, pedindo interrupção dos descontos a partir do mês corrente;
-
guarde comprovantes de protocolo e acompanhe o primeiro contracheque após o pedido para verificar se o IR foi zerado;
-
em paralelo, reúna documentos para formalizar a isenção e o pedido de retroativos junto à Receita, via e-CAC.
Passo a passo no e-CAC para formalizar a isenção
-
acesse o portal e-CAC com sua conta;
-
crie um processo digital selecionando o serviço de isenção do IR por moléstia grave;
-
anexe o dossiê: laudo, identificação, prova do benefício (carta de concessão, ato/portaria ou contracheques), informes de rendimentos e requerimento objetivo;
-
acompanhe o processo: se houver exigência, responda anexando documentos complementares (exames, relatório do oncologista, nova via do laudo com data de início etc.);
-
após o reconhecimento, organize a retificação das declarações alcançadas.
Como recuperar valores pagos indevidamente: retificação e retroatividade
A restituição do imposto indevido ocorre mediante retificação das declarações dos anos-calendário ainda dentro do prazo. A janela usual de trabalho, para pessoa física, é de cinco anos. A estratégia:
• mapeie os anos e meses alcançados pelo marco temporal;
• levante os informes de rendimentos e IR retido na fonte de cada ano;
• em cada declaração, transfira os proventos e o 13º afetados para a ficha de rendimentos isentos, na rubrica de moléstia grave;
• respeite a proporcionalidade intranual: se o diagnóstico foi em abril, de abril a dezembro é isento; janeiro a março permanece tributável;
• valide, transmita e guarde o recibo; o sistema recalcula o imposto e gera o saldo a restituir com atualização.
Se você tem mais de uma fonte pagadora (INSS, RPPS e previdência complementar, por exemplo), repita a migração de cada uma, com seus respectivos CNPJs e valores, para evitar divergências.
Tabela de planejamento: meses, valores e estimativa de restituição
Use a tabela abaixo para organizar seus dados antes de retificar:
Ano-calendário | Marco de isenção no ano | Meses isentos (ex.: abr–dez) | Proventos isentos no ano | 13º isento | IR retido/apurado | Estimativa de restituição |
---|---|---|---|---|---|---|
2021 | — | — | — | — | — | — |
2022 | Diagnóstico em nov | nov–dez | R$ | R$ | R$ | R$ |
2023 | Vigente todo o ano | jan–dez | R$ | R$ | R$ | R$ |
2024 | Vigente todo o ano | jan–dez | R$ | R$ | R$ | R$ |
2025 | Vigente até o momento | jan–dez | R$ | R$ | R$ | R$ |
Preencha com base nos informes e contracheques. Priorize para retificar primeiro os anos com maior retenção, preservando a organização documental de cada envio.
Erros comuns e como evitá-los
• laudo sem CID, sem data de início ou sem assinatura/CRM;
• anexos ilegíveis ou incompletos no processo digital;
• confundir salário com provento de aposentadoria;
• esquecer de classificar o 13º dos proventos como isento;
• não refletir a proporcionalidade do ano do diagnóstico;
• deixar de incluir a previdência complementar atrelada aos proventos;
• divergência de CNPJ/nome da fonte pagadora entre informe e declaração.
Revisar a documentação antes de cada protocolo poupa semanas de idas e vindas.
Como atuar em caso de indeferimento administrativo
Recebeu negativa? É possível apresentar recurso administrativo no próprio e-CAC, apontando onde, no laudo e nos exames, estão os elementos exigidos. Persistindo o indeferimento, a via judicial é uma alternativa legítima. Em demandas judiciais, relatórios e exames de médicos particulares costumam ter alta força probatória quando bem fundamentados e coerentes com o histórico clínico; perícias judiciais podem confirmar o diagnóstico e o marco temporal. Seja na esfera administrativa, seja na judicial, a robustez do dossiê médico faz a diferença.
Situações especiais e cuidados adicionais
• Aposentado que continua trabalhando: somente a aposentadoria/pensão entra na isenção; o salário permanece tributável.
• Múltiplas pensões ou proventos: a isenção se aplica a todas as fontes de proventos de inatividade; trate cada uma separadamente na declaração.
• Previdência complementar: complementações vinculadas aos proventos de inatividade acompanham a isenção; resgates que não tenham natureza de provento podem não se enquadrar.
• Contribuinte falecido: o inventariante pode promover retificações para recuperar imposto indevido do espólio, observadas as formalidades do inventário.
• Pensão alimentícia: se a pensão tem origem em proventos isentos por moléstia grave, avalie o reflexo com cuidado e documente a natureza do rendimento na origem.
• Parâmetros de atualização: a restituição é atualizada automaticamente pelo sistema no processamento das retificadoras; não é necessário calcular manualmente.
Roteiro documental do dossiê ideal
-
laudo oncológico com CID, data de início e conclusão clara (preferencialmente, por serviço médico oficial ou juntado com relatório do médico assistente);
-
relatório do oncologista assistente, com cronologia e exames relevantes;
-
exames-chave (patológico, imagem, marcadores), com datas;
-
carta de concessão/ato de aposentadoria ou pensão;
-
contracheques e informes de rendimentos por fonte pagadora;
-
requerimento objetivo à fonte pagadora (cessação da retenção) e à Receita (isenção e retroativos);
-
controle interno com tabela de meses isentos por ano e estimativa de restituição.
Estudos de caso para ilustrar o caminho
Caso 1: diagnóstico durante a aposentadoria e remissão no ano seguinte
Beatriz, aposentada desde 2019, foi diagnosticada com carcinoma mamário em maio de 2023. O laudo oficial registrou CID e data precisa do diagnóstico. Com isso: cessou a retenção a partir de junho de 2023; retificou a declaração de 2023 (isentos maio–dezembro e o 13º proporcional) e a de 2024 (ano todo isento). Em 2025, em remissão, manteve a isenção com base no mesmo laudo e histórico clínico.
Caso 2: doença anterior à pensão
Carlos tinha neoplasia maligna desde 2021 e passou a receber pensão por morte em fevereiro de 2024. A isenção vale desde a data de início da pensão, porque a doença já existia. Resultado: 2024 inteiro isento para os proventos de pensão (incluindo o 13º); cessação da retenção a partir do primeiro pagamento após o deferimento administrativo.
Caso 3: laudo particular robusto e validação por junta médica
Dora, servidora aposentada de regime próprio, apresentou relatório detalhado de seu oncologista particular e exames comprobatórios. A junta médica do ente converteu o relatório em laudo pericial oficial, fixando data de início em 2022. Com o laudo oficial, o órgão cessou a retenção; a contribuinte retificou 2022 (parcial), 2023 e 2024 e obteve a restituição dos valores pagos indevidamente.
Caso 4: múltiplas fontes pagadoras e previdência complementar
Eduardo recebe aposentadoria do INSS e complementação de entidade fechada de previdência. Diagnosticado em 2020, organizou dois dossiês de informes e comprovou, nas retificações, a isenção de ambas as fontes e dos respectivos 13º. Evitou malha fiscal por lançar corretamente cada CNPJ e por anexar, em intimação, o laudo e os informes de cada fonte.
Linguagem e forma do laudo: clareza técnica com foco tributário
O laudo não precisa citar lei. Precisa ser clinicamente robusto e conclusivo. Uma estrutura útil:
-
identificação do paciente e do médico;
-
diagnóstico com CID;
-
histórico resumido com datas de exames e terapêuticas;
-
data de início do quadro ou diagnóstico;
-
conclusão: natureza da doença, cronicidade/potencial de recidiva e compatibilidade com isenção sobre proventos de inatividade;
-
prazo de validade: sem prazo quando clinicamente compatível.
Passo a passo resumido para colocar tudo em prática
-
obtenha o laudo oncológico completo;
-
protocole a cessação de IR na fonte pagadora;
-
abra o processo digital de isenção por moléstia grave no e-CAC e junte o dossiê;
-
defina o marco temporal e mapeie anos e meses alcançados;
-
retifique as declarações por ordem de maior impacto financeiro;
-
guarde recibos e acompanhe o processamento das restituições;
-
mantenha o prontuário atualizado para eventual exigência futura.
Perguntas e respostas
Quem está em remissão mantém a isenção?
Sim. Para neoplasia maligna, a manutenção da isenção não exige sintomas atuais. O histórico clínico e o laudo que comprovam o diagnóstico e a evolução sustentam o direito, inclusive em remissão.
Preciso de laudo de serviço médico oficial?
Administrativamente é a via mais segura e costuma ser exigida para cessar a retenção na fonte. Relatórios de médicos particulares são valiosos para instruir a perícia oficial e, quando necessário, servem como prova suficiente em demandas judiciais.
O 13º da aposentadoria/pensão também é isento?
Sim. O 13º vinculado aos proventos de inatividade e às pensões acompanha a natureza isenta quando há reconhecimento por neoplasia maligna.
Tenho 65 anos ou mais. Posso somar esse benefício à isenção por câncer?
Sim. A parcela mensal isenta própria para quem tem 65+ é cumulável com a isenção por moléstia grave, pois são institutos distintos. Basta lançar corretamente cada rubrica na declaração.
A partir de quando posso recuperar o que paguei indevidamente?
A partir do marco temporal: a data do diagnóstico (se posterior à aposentadoria/pensão) ou a data de concessão do benefício (se a doença já existia). Em regra, você consegue retificar os últimos cinco anos para reaver os valores.
E se o laudo não trouxer a data de início?
Sem a data, o efeito costuma valer da emissão do laudo. Tente complementar a prova com exames e prontuários para que um novo laudo ou aditamento fixe a data correta e maximize a retroatividade.
Continuo trabalhando e recebendo salário. O salário fica isento?
Não. A isenção por neoplasia maligna recai sobre proventos de aposentadoria, reforma e pensão. O salário de trabalho em atividade permanece tributável.
Recebo complementação de previdência. Ela entra na isenção?
Sim, desde que seja complementação de aposentadoria ou pensão vinculada aos proventos de inatividade. Lance cada fonte na declaração com sua identificação correta.
O que fazer se a fonte pagadora não cessar a retenção?
Protocole pedido formal com o laudo e, se persistir a retenção, leve o caso ao processo administrativo tributário e, em último caso, à via judicial. Enquanto isso, você pode recuperar os valores pagos a maior pela via das retificações.
A pessoa faleceu com direito à isenção e não pediu. Os herdeiros podem buscar?
Podem. O inventariante promove as retificações do espólio para recuperar valores pagos indevidamente, seguindo as formalidades do inventário.
Conclusão
O diagnóstico de câncer assegura ao aposentado, pensionista ou militar reformado a isenção do Imposto de Renda sobre seus proventos, inclusive o 13º, sem exigir a presença atual de sintomas e sem prejuízo do direito durante a remissão. O que sustenta o benefício é a prova: um laudo médico completo, preferencialmente validado por serviço oficial, com CID, data de início e histórico clínico. A partir daí, o roteiro prático é direto: cessar a retenção na fonte pagadora, formalizar a isenção no e-CAC e retificar as declarações alcançadas pelo marco temporal para recuperar os últimos cinco anos de imposto indevidamente recolhido. Ao tratar com atenção pontos como a proporcionalidade dentro do ano do diagnóstico, o 13º dos proventos, a previdência complementar e a correta identificação de cada fonte pagadora, você transforma um direito previsto em lei em um resultado financeiro concreto, garantindo alívio tributário num momento em que foco e energia precisam estar voltados à saúde, ao tratamento e à qualidade de vida — inclusive quando a boa notícia da remissão já chegou.