CID N18.0, no uso corrente no Brasil, costuma identificar doença renal crônica em estágio final (nefropatia grave, frequentemente em hemodiálise, diálise peritoneal ou com indicação de transplante) e, nessa condição, pode dar direito a benefícios do INSS e até à aposentadoria por incapacidade permanente, sem exigir a carência de 12 contribuições. Nada, porém, é automático: o reconhecimento depende de prova médica robusta da incapacidade para o trabalho, da manutenção da qualidade de segurado e da análise da possibilidade (ou não) de reabilitação para outra atividade compatível. Em termos práticos, quem está em diálise ou com insuficiência renal terminal tem grande probabilidade de receber auxílio por incapacidade temporária e, se a limitação for duradoura e sem viabilidade de requalificação útil, a aposentadoria por incapacidade permanente; paralelamente, há direitos complementares relevantes, como isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria por doença grave e saques do FGTS e do PIS/PASEP.
O que significa CID N18.0 e por que isso importa juridicamente
N18 é a família de códigos da CID que identifica a doença renal crônica. O sufixo .0, no uso médico-jurídico brasileiro, é tradicionalmente associado à fase terminal da doença renal crônica, usualmente com necessidade de terapia renal substitutiva (hemodiálise ou diálise peritoneal) ou avaliação para transplante. A importância jurídica do código está menos no rótulo e mais no que ele representa: limitação funcional relevante, alto risco clínico e tratamento de alta complexidade, que interferem de modo direto na capacidade laborativa e na assiduidade. Em perícias, não basta escrever “N18.0”: é decisivo demonstrar como o quadro afeta a atividade concreta do segurado e por quanto tempo.
Doença, deficiência e incapacidade: três conceitos que andam juntos, mas não são a mesma coisa
Primeiro, doença é o diagnóstico clínico, aqui a insuficiência renal crônica avançada. Segundo, deficiência é o impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, restringe participação plena e efetiva na sociedade; pessoas em diálise frequentemente enfrentam barreiras ambientais e de mobilidade, o que pode caracterizar deficiência no sentido da avaliação biopsicossocial. Terceiro, incapacidade é a impossibilidade de exercer a atividade laborativa (habitual, no caso do auxílio por incapacidade temporária, ou qualquer atividade compatível, no caso da aposentadoria por incapacidade permanente). É possível ter N18.0 e, ainda assim, exercer atividades remotas e leves por algum tempo, desde que haja estabilidade clínica e acomodações; também é possível ter N18.0 e estar totalmente incapaz, dependendo das exigências do cargo, das comorbidades e dos efeitos do tratamento.
Quais benefícios do INSS podem ser concedidos a quem tem N18.0
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Auxílio por incapacidade temporária. É a porta de entrada mais comum. Aplica-se quando há incapacidade total para a atividade habitual por período que, embora frequentemente longo, ainda pode ser revisto conforme evolução clínica, intercorrências de diálise e eventuais passos rumo ao transplante.
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Aposentadoria por incapacidade permanente. É devida quando o quadro é irreversível para qualquer atividade que assegure subsistência, considerando idade, escolaridade, experiência e limitações. Em nefropatia grave com diálise crônica e comorbidades associadas, sem perspectiva realista de reabilitação, a aposentadoria é plausível.
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Reabilitação profissional. Em cenários de capacidade residual (por exemplo, atividades predominantemente intelectuais, remotas e com jornada flexível), o INSS pode encaminhar o segurado à reabilitação, com vistas a funções compatíveis e previsíveis. A viabilidade real deve ser discutida caso a caso.
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BPC/LOAS. Não é benefício previdenciário, mas assistencial, destinado a pessoas com deficiência e baixa renda familiar. Para quem não possui contribuições suficientes ou perdeu a qualidade de segurado, a avaliação biopsicossocial pode reconhecer deficiência decorrente da insuficiência renal avançada, ensejando o BPC.
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Auxílio-acidente. É excepcional nesse contexto. Em regra, somente se houver reconhecimento de que a nefropatia tem nexo ocupacional equiparado a acidente do trabalho e deixou sequela permanente que reduz a capacidade para a atividade habitual.
Dispensa de carência para nefropatia grave e a manutenção da qualidade de segurado
Regra geral, benefícios por incapacidade exigem 12 contribuições. Entretanto, a legislação previdenciária brasileira dispensa a carência quando a incapacidade decorre de doença grave, entre as quais se inclui a nefropatia grave. Na prática, para N18.0, a carência costuma estar dispensada. Atenção, porém, a um ponto essencial: a dispensa da carência não elimina a necessidade de manter a qualidade de segurado, isto é, estar contribuindo ou dentro do período de graça. Se a qualidade de segurado foi perdida, o INSS pode negar o pedido, mesmo com N18.0. Planejamento contributivo e documentação são determinantes.
Natureza previdenciária (B31) e natureza acidentária (B91): quando a nefropatia é ocupacional
Sem nexo com o trabalho, o auxílio por incapacidade é previdenciário (código B31). Com nexo ocupacional, torna-se acidentário (B91), com efeitos adicionais: estabilidade de 12 meses após o retorno e depósitos de FGTS durante o afastamento. Em nefropatia, o nexo pode ser reconhecido, por exemplo, em exposições ocupacionais a metais pesados e solventes nefrotóxicos, em síndromes de rabdomiólise por esforço extremo em contextos de trabalho inadequado, ou após um acidente com perda renal que evolui para insuficiência. Para sustentar o nexo, são valiosos documentos como PPP, LTCAT, PCMSO, relatos de exposição, exames ambientais e pareceres técnicos.
Aposentadoria especial não é “por doença”, mas por exposição; como isso conversa com a nefropatia
A aposentadoria especial decorre de tempo trabalhado sob exposição habitual e permanente a agentes nocivos, comprovado por PPP/LTCAT, e não pelo diagnóstico do trabalhador. Assim, ter N18.0 não gera, por si, aposentadoria especial. Nada impede, contudo, que a pessoa some tempo especial pretérito (por exemplo, trabalho com hidrocarbonetos ou ruído excessivo) e, paralelamente, busque benefício por incapacidade em razão da nefropatia. São trilhas jurídicas distintas que, em alguns casos, se combinam.
Aposentadoria da pessoa com deficiência: uma rota alternativa possível
A aposentadoria da pessoa com deficiência (Lei Complementar 142/2013) considera o grau de deficiência (leve, moderada ou grave) medido por avaliação biopsicossocial. Pessoas em diálise, com limitações de mobilidade, restrições de jornada e barreiras de participação, podem, em determinadas situações, ser avaliadas como pessoa com deficiência e, assim, acessar essa modalidade. Essa via não exige incapacidade para o trabalho, mas sim tempo de contribuição reduzido conforme o grau de deficiência. É uma alternativa estratégica quando a incapacidade total não se consolida, mas as barreiras são persistentes e relevantes.
Como transformar a medicina do N18.0 em prova jurídica útil
Para convencer o INSS ou o Judiciário, laudo genérico não basta. Elementos essenciais que fortalecem a prova:
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Identificação do paciente e do médico, com CRM e assinatura manuscrita ou digital certificada, data recente e legibilidade.
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Diagnóstico detalhado com CID N18.0, tempo de doença, etiologia provável (diabética, hipertensiva, glomerulopatia, policística etc.), comorbidades relevantes e intercorrências infecciosas e cardiovasculares.
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Situação dialítica. Especificar hemodiálise ou diálise peritoneal, frequência semanal, duração das sessões, complicações típicas (hipotensão intradialítica, cãibras, cefaleia, fadiga pós-sessão), eventos adversos e hospitalizações.
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Laboratórios e métricas objetivas. Ureia pré e pós, creatinina, potássio, hemoglobina, albumina, Kt/V (quando disponível), PTH, ferritina, tratamento com eritropoetina e quelantes, controle de volume e hipertensão.
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Avaliação funcional. Capacidade para deslocamentos, tolerância ao ortostatismo, cargas máximas possíveis, necessidade de pausas, impacto da fadiga pós-diálise na jornada, restrições alimentares e hídricas que afetem ambientes laborais específicos.
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Plano terapêutico. Agendamento e previsibilidade das sessões, necessidade de consultas regulares e exames, avaliação para transplante e tempo provável de convalescença no pós-transplante.
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Prognóstico e reabilitação. Viabilidade real de retorno com restrições, necessidade de teletrabalho ou jornada reduzida, impossibilidade de turnos noturnos ou revezamento, risco de descompensação.
Quanto mais o laudo traduzir o quadro em números e tarefas concretas do cargo, maior a força probatória.
Hemodiálise, diálise peritoneal e transplante: o que muda para fins previdenciários
Hemodiálise. Exige, via de regra, três sessões semanais, de quatro horas ou mais, com tempo adicional de deslocamento e recuperação. Sintomas como fadiga intensa, hipotensão e cãibras pós-sessão impactam a assiduidade e a produtividade, tornando inviável o cumprimento de jornadas integrais em muitos cargos físicos ou de atendimento contínuo.
Diálise peritoneal. Embora domiciliada, demanda técnica, tempo de preparo e monitorização, com riscos de peritonite e outras intercorrências. A rotina terapêutica interfere na disponibilidade para jornadas prolongadas e, em ambientes sem condições de higiene, pode ser proibitiva.
Transplante renal. É a via potencial de reabilitação, mas envolve período de incapacidade relevante no pré e no pós-operatório, além do uso crônico de imunossupressores com efeitos adversos (infecções, toxicidade, alterações metabólicas). Mesmo após sucesso, o retorno pode ser gradativo, com restrições de exposição a agentes biológicos e cuidados rigorosos.
Esses elementos costumam sustentar, inicialmente, auxílio por incapacidade temporária. Persistindo limitações sem perspectiva razoável de requalificação, discute-se a aposentadoria por incapacidade permanente.
Efeitos colaterais, comorbidades e o peso jurídico de cada um
A nefropatia avançada raramente vem sozinha. Anemia renal, osteodistrofia, hipertensão de difícil controle, neuropatia periférica, prurido urêmico, depressão, ansiedade, diabetes mal controlado, apneia do sono e sequelas cardiovasculares compõem um cenário que agrava a incapacidade. Documentar a soma desses fatores muda o desfecho: um trabalhador braçal com anemia significativa, ortostatismo limitado e crises hipertensivas recorrentes tem bem menos chance de retorno sustentável ao posto original que um profissional em atividade intelectual remota com estabilidade clínica.
Passo a passo para dar entrada no INSS com N18.0
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Organização documental. Reúna RG, CPF, CNIS e comprovantes de contribuição (para MEI e contribuintes individuais), laudo nefrológico atualizado, exames laboratoriais, carta da unidade de diálise com dias e horários das sessões, atestados de intercorrências e relatórios de internações.
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Pedido no Meu INSS. No site ou app, selecione Pedir Benefício por Incapacidade e opte por Auxílio por Incapacidade Temporária. Em algumas localidades, é possível análise documental (Atestmed); anexe PDFs legíveis do laudo, da escala da diálise e dos exames. Caso contrário, agende perícia presencial.
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Indicação da DII. Informe a Data de Início da Incapacidade coerente com o primeiro atestado de afastamento ou com o início das sessões de diálise que inviabilizaram a atividade.
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Descrição do trabalho. Ao preencher informações ou ao comparecer à perícia, descreva as tarefas essenciais do cargo e explique por que a rotina dialítica e os sintomas impedem seu desempenho, quantificando horários, pausas e limitações.
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Acompanhamento. Monitore o protocolo; se a incapacidade persistir próxima da data de cessação, peça prorrogação com laudos atualizados. Se houver cessação indevida, faça pedido de reconsideração em até 30 dias.
Como se preparar para a perícia médica
Leve documentos originais, laudo nefrológico com CID N18.0 e descrição funcional, relatórios da clínica de diálise com calendário de sessões e intercorrências, exames laboratoriais recentes e relatórios de comorbidades (cardiologia, endocrinologia). Explique com objetividade o que consegue e o que não consegue fazer no trabalho, por quanto tempo, e quais eventos limitam a rotina (por exemplo, “após a hemodiálise fico indisposto por 24 horas, com tontura e fraqueza”). Evite generalidades; traga números e fatos.
Estratégias de prorrogação, reconsideração e judicialização
Prorrogação. Deve ser pedida preferencialmente até 15 dias antes da data de cessação, com laudo atualizado que demonstre persistência da incapacidade e calendário da diálise.
Reconsideração. Se o benefício cessou, mas a incapacidade continua, peça reconsideração em até 30 dias, anexando novos elementos (hospitalização, intercorrências, mudança de esquema dialítico).
Judicialização. Quando a perícia administrativa ignora a realidade funcional ou subestima a soma de barreiras e comorbidades, a via judicial permite perícia por especialista (nefrologista) e produção de prova ampla. Quesitos bem formulados e parecer de assistente técnico fortalecem o caso.
Direitos complementares frequentemente esquecidos
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Isenção de imposto de renda. Portadores de doença grave, entre elas nefropatia grave, podem obter isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria, mediante laudo oficial idôneo. A isenção não alcança, como regra, salários.
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Saques do FGTS e do PIS/PASEP. Doença grave possibilita saque do FGTS pelo titular ou por dependente portador da condição, conforme regras específicas. É essencial apresentar laudos e relatórios que comprovem a gravidade.
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Prioridade processual e atendimento preferencial. Pessoas com doença grave têm prioridade na tramitação de processos e no atendimento em determinados serviços.
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Transporte sanitário e apoio municipal. Em muitos municípios há programas de transporte para sessões de hemodiálise; verifique a rede local. Embora não seja um direito previdenciário, é uma política pública que impacta adesão terapêutica e permanência no trabalho.
Aspectos trabalhistas: faltas justificadas, readaptação e estabilidade quando B91
Ausências para hemodiálise e consultas são justificáveis mediante atestado, e políticas internas podem prever compensações. A readaptação com jornada flexível, teletrabalho quando possível, redução de esforço físico, pausas programadas e afastamento de turnos noturnos são medidas recomendadas para equilibrar continuidade laboral e segurança clínica. Se o benefício for acidentário (B91), reconhecido o nexo, há estabilidade de 12 meses após o retorno e depósitos de FGTS durante o período de afastamento. O diálogo entre médico assistente, medicina do trabalho e gestão é essencial para evitar litígios e agravos.
Estudos de caso exemplificativos
Caso 1. Auxiliar de serviços gerais, 48 anos, N18.0 em hemodiálise há 10 meses, anemia renal e hipertensão resistente. Jornada braçal, com deslocamento e esforço contínuos. Laudo descreve fadiga pós-diálise, hipotensão intradialítica, hemoglobina baixa e duas internações recentes. Concedido auxílio por incapacidade temporária; após um ano e tentativas frustradas de reabilitação, aposentadoria por incapacidade permanente reconhecida judicialmente.
Caso 2. Analista administrativo, 39 anos, N18.0 em diálise peritoneal noturna, boa adesão e comorbidades controladas. Laudo recomenda teletrabalho parcial, horário flexível e pausas programadas. Retorno com reabilitação profissional, manutenção do vínculo e acompanhamento sem afastamentos prolongados. Aposentadoria por incapacidade indeferida, pois havia capacidade residual e acomodações efetivas.
Caso 3. Operador químico, 55 anos, N18.0 com histórico de exposição a solventes e metais pesados. PPP e LTCAT corroboram exposição pretérita. Parecer técnico aponta concausa relevante. Reconhecido nexo acidentário (B91), com estabilidade pós-retorno. Auxílio por incapacidade concedido; após evolução desfavorável, discutida aposentadoria por incapacidade.
Tabela prática de cenários e repercussões jurídicas
Situação clínica-funcional | Evidências fortes | Repercussão previdenciária provável | Observações úteis |
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Hemodiálise estável, sem comorbidades significativas, atividade leve e remota possível | Laudo com calendário de diálise, fadiga moderada, exames estáveis | Auxílio temporário inicial e reabilitação para teletrabalho; aposentadoria improvável | Negociar jornada flexível e pausas pós-diálise |
Hemodiálise com intercorrências frequentes, anemia significativa, atividade braçal | Internações, hipotensão intradialítica, hemoglobina baixa, sobrecarga física | Auxílio temporário com prorrogações; aposentadoria por incapacidade plausível | Documentar tentativas de reabilitação frustradas |
Diálise peritoneal com peritonites recorrentes, barreiras ambientais no trabalho | Relatórios de intercorrências, impossibilidade de assepsia no posto | Auxílio temporário prolongado; possível aposentadoria se inviável readequação | Risco ocupacional acentuado |
Pós-transplante recente com imunossupressão e efeitos adversos | Laudos pós-operatórios, infecções, ajustes de medicação | Auxílio temporário durante convalescença; retorno gradual depois | Aposentadoria apenas se persistirem limitações severas |
Nexo ocupacional reconhecido (B91) | PPP, LTCAT, parecer do médico do trabalho, cronologia de adoecimento | Benefício acidentário; estabilidade e FGTS durante afastamento | Avaliar também indenização trabalhista quando cabível |
Checklists práticos para cada etapa
Entrada do benefício
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Documento de identificação e CPF.
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CNIS e comprovantes de contribuição (MEI e contribuinte individual).
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Laudo nefrológico atualizado com CID N18.0, situação dialítica, comorbidades e limitações funcionais.
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Carta da unidade de diálise com dias e horários das sessões e registro de intercorrências.
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Exames laboratoriais recentes e relatórios de internação.
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Descrição do cargo e das tarefas essenciais, com riscos e exigências de jornada.
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Se alegado nexo, PPP, LTCAT e documentos ocupacionais.
Prorrogação do auxílio
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Laudo atualizado com evolução, intercorrências e manutenção das limitações.
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Exames recentes que comprovem persistência do quadro.
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Registro de tentativas de retorno e razões do insucesso.
Aposentadoria por incapacidade
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Laudos seriados demonstrando cronicidade e ausência de perspectiva de reabilitação.
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Provas de comorbidades agravantes e somatório de barreiras.
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Parecer de assistente técnico (opcional) explicando por que não há função compatível.
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Histórico de reabilitação e adaptações testadas.
BPC/LOAS
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CadÚnico atualizado.
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Laudo multiprofissional descrevendo impedimentos de longo prazo e barreiras.
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Comprovantes de renda e despesas extraordinárias (transporte para diálise, medicamentos complementares).
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Relatórios sociais quando disponíveis.
Modelos de trechos úteis para laudos e relatórios
Incapacidade e restrições
“Paciente com insuficiência renal crônica em estágio final (CID N18.0), em hemodiálise três vezes por semana, quatro horas por sessão. Apresenta hipotensão intradialítica, fadiga intensa pós-sessão e anemia renal (Hb 9,2 g/dL). Incapaz de realizar atividade braçal com levantamento de peso, ortostatismo prolongado ou jornadas integrais sem pausas programadas. Recomendam-se jornadas reduzidas e afastamento de turnos noturnos. Estimo incapacidade por tempo indeterminado, com reavaliação em 90 dias.”
Prognóstico e reabilitação
“Dada a cronicidade do quadro, as intercorrências e as comorbidades cardiovasculares associadas, a reabilitação para atividade administrativa remota com jornada flexível é teoricamente possível; entretanto, o histórico de tentativas de retorno frustradas sugere inviabilidade prática no caso concreto.”
Nexo/concausa ocupacional
“O histórico ocupacional com exposição prolongada a solventes e metais pesados, corroborado por PPP e LTCAT, atuou como concausa relevante no agravamento da nefropatia, compatível com natureza acidentária.”
Perguntas e respostas
N18.0 garante aposentadoria automática
Não. O código indica gravidade, mas o INSS exige prova de incapacidade total e permanente para qualquer atividade compatível e inviabilidade de reabilitação. Em muitos casos, inicia-se pelo auxílio por incapacidade temporária e, só depois, avalia-se a aposentadoria.
Preciso cumprir 12 contribuições para receber auxílio com N18.0
Em regra, a nefropatia grave dispensa a carência. Mesmo assim, é necessário manter a qualidade de segurado, isto é, estar contribuindo ou dentro do período de graça.
Quem está em diálise sempre se aposenta
Não. Há segurados em diálise que mantêm atividades compatíveis, sobretudo remotas e com jornada flexível. Cada caso exige avaliação individual, considerando tarefas do cargo, intercorrências e comorbidades.
Posso ter benefício acidentário por nefropatia
Sim, se ficar demonstrado nexo ocupacional (por exemplo, exposição a tóxicos nefrotóxicos ou acidente com perda renal que evoluiu para insuficiência). Reconhecido o nexo, o benefício é B91, com estabilidade de 12 meses após o retorno e FGTS durante o afastamento.
Quem recebeu transplante perde o benefício imediatamente
Não necessariamente. O pós-transplante requer período de recuperação e monitorização, com imunossupressão e risco de infecções. O auxílio por incapacidade temporária costuma ser mantido durante a convalescença; o retorno é gradual e depende da evolução.
Tenho direito à isenção de imposto de renda
Portadores de doença grave, entre elas a nefropatia grave, podem obter isenção de IR sobre proventos de aposentadoria mediante laudo idôneo. A isenção não se aplica, como regra, a salários.
MEI e contribuintes individuais com N18.0 podem receber benefício
Sim, desde que mantenham a qualidade de segurado. Reúna comprovantes de contribuição e laudo robusto. A dispensa de carência por doença grave ajuda, mas não substitui a qualidade de segurado.
O plano de saúde deve cobrir transporte para diálise
A cobertura obrigatória se refere ao tratamento assistencial; o transporte é, em geral, política pública local. Informe-se na Secretaria Municipal de Saúde sobre programas de transporte sanitário.
Se o INSS negar, o que fazer
Analisar o motivo. Se for “ausência de incapacidade”, complemente com laudos mais objetivos e solicite reconsideração ou judicialize para perícia por nefrologista. Se for “perda da qualidade de segurado”, regularize contribuições e reavalie a estratégia.
É possível sacar FGTS por N18.0
Sim, a doença grave permite saque do FGTS nos termos das regras vigentes, para o titular ou dependente. Apresente laudos e documentos exigidos.
Conclusão
O CID N18.0, na prática médico-jurídica brasileira, sinaliza uma doença renal crônica em estágio final, com alto potencial de impacto laboral e social. Transformar esse dado clínico em proteção previdenciária exige método: laudo nefrológico completo e recente, métricas objetivas, relato detalhado da rotina dialítica, documentação de intercorrências, descrição funcional do trabalho e demonstração clara das barreiras enfrentadas. Com esse dossiê, o caminho natural é a concessão do auxílio por incapacidade temporária, com prorrogações quando necessário; em casos refratários, sem perspectiva realista de reabilitação, a aposentadoria por incapacidade permanente torna-se a solução justa. Em paralelo, direitos complementares como isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria e saques de FGTS e PIS/PASEP ajudam a mitigar o custo financeiro da doença.
Ao empregador, cabe promover adaptações razoáveis quando o retorno é possível: jornada flexível, teletrabalho, redução de esforço físico, pausas e afastamento de turnos noturnos. Ao segurado e sua família, a organização documental e a adesão terapêutica são vitais para evitar indeferimentos por formalidades. Ao advogado, compete dar forma jurídica à prova clínica, formular quesitos objetivos, impugnar laudos lacônicos e, quando necessário, levar o debate ao Judiciário para uma perícia especializada que enxergue a vida real por trás do código. No fim, é essa combinação de técnica, estratégia e humanidade que transforma N18.0 de um conjunto de letras e números em proteção social efetiva, garantindo renda durante o tratamento e dignidade em todo o percurso, inclusive quando a aposentadoria por incapacidade permanente se mostra o único caminho viável.